Os Discursos de L. L. Zamenhof

Traduzidos em português por Vitor Luiz Rigoti dos Anjos (salvo menção em contrário)

Índice:

    por ocasião do primeiro aniversário do Clube de Esperanto de Londres em 12 de Janeiro de 1904

    abertura do Primeiro Congresso Esperantista em Boulogne-sur-Mer (1905)

        Primeira Reunião Geral (Introdução da "Declaração")

        Discurso oficial no banquete

    abertura do Segundo Congresso Esperantista em Genebra (1906)

    abertura do Terceiro Congresso Esperantista em Cambridge (1907)

        após o Terceiro Congresso Esperantista no Guildhall (Londres)

    abertura do Quarto Congresso Esperantista em Dresden (1908)

    abertura do Quinto Congresso Esperantista em Barcelona (1909)

        antes da reunião de abertura da UEA

    abertura do Sexto Congresso Esperantista em Washington (1910)

        encerramento do Sexto Congresso Esperantista

    abertura da Conferência de Preparação dos Esperantistas Russos em St. Petersburgo (1910)

    abertura do Sétimo Congresso Esperantista em Antuérpia (1911)

    abertura do Oitavo Congresso Esperantista em Cracóvia (1912)

    diante do túmulo de Karlo Bourlet em 1913

    Anexos:

        A - Resposta do Dr. Zamenhof depois que ele esteve em Berna recebendo uma medalha de ouro e um buquê, 1913.

        B - Declaração sobre a essência do esperantismo (Reunião de 9 de Agosto de 1905).

        C - A Origem do Esperanto - Extração de uma carta privada de Zamenhof a Nikolai A. Borovko (1895).

        D - Carta Circular a todos os esperantistas (Varsóvia, 18 de Janeiro de 1908).

        E - Declaração sobre o homaranismo (Varsóvia, Maio de 1913).

        F - Projeto de princípios fundamentais para a religião neutralmente humana (1914).

    Fontes dos textos



O discurso gramofônico de L. L. Zamenhof por ocasião do primeiro aniversário do Clube de Esperanto de Londres em 12 de Janeiro de 1904.

Estimadas senhoras e senhores! - Não tendo a possibilidade de participar pessoalmente na primeira convenção anual do Clube de Esperanto de Londres, envio por um fonógrafo minha saudação de coração para todos os participantes na reunião. No meu pensamento, eu imagino que estou sentado agora entre vocês, estimados amigos ingleses do ideal da língua internacional, e estou alegre com vocês por causa dos belos frutos que o vosso enérgico trabalho deu no decorrer do ano que se foi.

Há um ano atrás o nosso assunto era ainda muito pouco conhecido no vosso país, e agora nós já temos na vossa pátria muitos amigos calorosos e sinceros, nós temos diversos clubes de esperantistas, nós temos cursos de Esperanto constantes, nós temos uma bela revista de Esperanto.

Quase tudo é fruto dos trabalhos do clube de Londres, que pode ficar orgulhoso pelos resultados do seu suor de um ano. Para os nobres e enérgicos condutores e trabalhadores do Clube de Esperanto de Londres nosso assunto deve um agradecimento de coração.

Falando sobre os sucessos do clube de Londres, eu não devo esquecer desse pequeno grupinho esperantista em Keighley, que pôs os primeiros tijolos do nosso assunto na Inglaterra. Nosso agradecimento de coração aos esperantistas de Keighley ! Os trabalhos do Clube de Esperanto de Londres são observados com grande interesse por todo o mundo esperantista. Nós todos esperamos e pressentimos que mais ou menos cedo Londres se tornará um dos mais importantes centros do nosso assunto para o mundo inteiro.

Londres dormia longamente, mas quando acordar será como um leão. Um poderoso chamado virá desde Londres e sempre mais e mais soará e ressoará em todas as partes do mundo. Com atenção os povos escutarão a voz vinda do poderoso centro das regiões de falantes de inglês. Quando um povo tão poderoso quanto o inglês começar a falar sobre a fraternidade dos povos e sobre a neutralidade das relações internacionais, o mundo aplaudirá com entusiasmo, e esse santo assunto, pelo qual nós batalhamos, caminhará rapidamente.

Esperantistas em Londres, esperantistas na Inglaterra, trabalhem com coragem e energia. Difícil, muito difícil é semear, mas doces e abençoados serão os frutos. Grande e importante é o vosso papel. O mundo esperantista inteiro lhes observa e espera muito de vós.

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O discurso de L. L. Zamenhof na abertura do Primeiro Congresso Esperantista em Boulogne-sur-Mer, França, em 5 de Agosto de 1905.

Estimadas Senhoras e Senhores ! Eu vos saúdo, caros co-idealistas, irmãos e irmãs da grande família humana mundial, vindos de terras próximas ou longínquas, dos reinos mais diferentes do mundo, para apertarem-se fraternalmente as mãos, em nome de uma grande idéia que nos liga a todos. Eu vos saúdo, também, gloriosa terra da França e bela cidade de Boulogne-sur-Mer, que bondosamente oferecestes hospitalidade ao nosso Congresso. Expresso igualmente cordial reconhecimento a todas as pessoas e instituições que em Paris, por ocasião da minha passagem por aquela gloriosa cidade, se serviram do meu endereço para manifestar o seu favor à causa do Esperanto, ao Sr. Ministro da Instrução Pública, à Municipalidade de Paris, à Liga Francesa de Instrução e a muitas personalidades eminentes das ciências.

Santo é para nós o dia de hoje. Modesta é a nossa reunião; o mundo externo não sabe muito a seu respeito e as palavras pronunciadas em nossa assembléia não voarão pelo telégrafo a todas as cidades e aldeias do globo; não se reúnem estadistas nem ministros, para mudar a carta política do mundo, não brilham vestes suntuosas nem brasões altivos e imponentes em nossa sala, não salvam canhões em torno desta casa modesta em que nos encontramos; mas, pelo ar de nosso salão voam sons misteriosos, sons baixinhos, que o ouvido não percebe, mas que toda alma sensível sente; sons de algo grandioso que está nascendo agora.

Pelo ar voam fantasmas misteriosos; os olhos não os vêem, mas a alma os sente; são imagens de um tempo futuro, de um tempo inteiramente novo. Esses fantasmas voam para o mundo, tomam corpo e tornam-se poderosos, e os nossos filhos e netos os verão, os sentirão e os aproveitarão.

Na mais remota antigüidade, que já há muito se apagou totalmente da memória da humanidade e da qual nenhuma história nos conservou o mínimo documento, a família humana dispersou-se e seus componentes deixaram de compreender-se uns aos outros. Irmãos, criados por um mesmo modelo, irmãos que tinham todos iguais idéias e um Deus igual em seus corações, irmão que deveriam auxiliar-se uns aos outros e trabalhar juntos para felicidade e glória de sua família - esses irmãos se tornaram totalmente estranhos uns aos outros, separaram-se, aparentemente para sempre, em grupinhos inimigos, e entre eles iniciou-se uma guerra eterna. Durante muitos milênios, durante todo o tempo de que a história conserva lembrança, batalharam sempre uns contra os outros, e toda a compreensão entre eles parecia absolutamente irrealizável. Profetas e poetas sonhavam com longínquo e nebuloso tempo, no qual os homens de novo começariam a compreender-se reciprocamente e de novo se uniriam em uma família; mas, isso era apenas devaneio. Falava-se disso qual de doce fantasia, mas ninguém o levava a sério, ninguém cria nisso.

Agora, pela primeira vez, esse sonho milenário começa a realizar-se. A esta pequena cidade do litoral francês vieram homens procedentes das mais diversas terras e nações e encontram-se, não como surdos-mudos, mas compreendendo e falando uns aos outros como irmãos, como membros de uma única nação. Muitas vezes reúnem-se pessoas de diferentes nações e compreendem-se, mas que diferença enorme entre essa compreensão e a nossa! Lá se compreendem, de fato, somente uma pequeníssima parte das pessoas reunidas, apenas aquelas que dispuseram de meios para dedicar muitíssimo dinheiro à aprendizagem de línguas estrangeiras; todos os outros tomam parte na reunião só com o corpo, não com o cérebro; em nossa assembléia compreendem-se reciprocamente todos os participantes; compreende-nos com facilidade toda pessoa que nos queira compreender e nem a pobreza, nem a escassez de tempo fecham ouvidos às nossas palavras. Lá a compreensão é alcançada por uma via antinatural, ofensiva e injusta, porque o filho de uma nação se humilha diante do de outra, fala a língua deste envergonhando a própria, gagueja e cora perturbado diante do interlocutor, enquanto este último se sente forte e orgulhoso; em nossa reunião não existem nações fortes ou fracas, privilegiadas ou deserdadas, ninguém se humilha, ninguém se molesta; firmamo-nos todos sobre uma base neutra, todos temos direitos absolutamente iguais; sentimo-nos todos como membros duma única nação, como membro de uma única família e, pela primeira vez na história humana, nós, os membros dos mais diferentes povos, estamos uns ao lado dos outros, não como estrangeiros, não como concorrentes; mas, sim como irmãos que, sem imporem uns aos outros seus idiomas nacionais, se compreendem reciprocamente; que, sem as trevas divisoras, não suspeitam uns dos outros, se dão as mãos, sem hipocrisia de estrangeiro a estrangeiro, antes sinceramente, de homem a homem. Tenhamos consciência nítida da gravidade deste dia, porque hoje, dentro dos hospitaleiros muros de Boulogne-sur-Mer, se encontram, não franceses com ingleses, não russos com poloneses, senão homens com homens. Bendito seja este dia e grandes e gloriosas sejam as suas conseqüências!

Nos reunimos hoje para mostrar ao mundo, por meio de fatos irrefutáveis, o que o mundo até agora não quis crer. Mostraremos ao mundo que a compreensão recíproca entre pessoas de nações diversas é bem e totalmente alcançável, que para isso não é necessário que um povo humilhe ou absorva outro, que as barreiras entre os povos absolutamente não são uma fatalidade eterna, que a compreensão recíproca entre os seres desta mesma espécie não é sonho fantástico, porém fenômeno naturalíssimo, o qual, por motivos lamentáveis e inconfessáveis, foi por muito tempo retardado, mas que, mais cedo ou mais tarde, teria fatalmente de ocorrer e afinal chegou, embora com passos ainda muito tímidos; fenômeno que, uma vez posto em marcha, nunca mais há de parar, e breve tão poderoso reinará no mundo, que os nossos netos não poderão crer tenha havido tempos diferentes, nos quais os homens - reis do mundo - não se compreendiam reciprocamente!

Quem diz que uma língua artificial neutra não é possível venha a nós e converter-se-á. Quem diz que os órgãos vocais de todos os povos são diferentes e cada um pronunciará a seu modo a língua artificial, sem se compreenderem, venha a nós e, se for honesto e não quiser mentir conscientemente, confessará que se enganou. Passeie nos próximos dias pelas ruas de Boulogne-sur-Mer, observe quão perfeitamente se compreendem os representantes das mais diversas nações, interrogue os esperantistas quanto tempo ou dinheiro cada um deles dedicou ao estudo da língua artificial, compare esses dados com os enormes sacrifícios necessários à aprendizagem de um idioma natural - e, se for honesto - volte para o mundo e repita em voz alta: "Sim, uma língua artificial é perfeitamente possível e a compreensão recíproca entre os homens, por meio de uma língua neutra artificial, não é somente possível, mas até muito, muitíssimo fácil !"

É verdade que muitos dentre nós sabem ainda muito mal o nosso idioma e o balbuciam com dificuldade, em vez de falá-lo correntemente; mas, comparando esse balbuciar com a conversação fluente e impecável de outras pessoas, todo observador consciente notará com facilidade que a causa disso não está no próprio idioma, senão na falta de exercício das pessoas.

Após milênios de surdez e mudez recíprocas e de batalhar constante, agora, em Boulogne-sur-Mer, inicia-se praticamente em maior escala a compreensão mútua e a confraternização dos membros componentes dos diversos povos da humanidade; e, uma vez começada, irá ela sempre avante, com mais vigor, até se extinguirem para sempre as últimas sombras de milenárias trevas.

Relevantíssimos são estes dias em Boulogne-sur-Mer; sejam eles abençoados!

No primeiro Congresso dos esperantistas, necessário é dizer algumas palavras a respeito dos que se bateram até agora pela nossa causa. Mas, antes de falarmos dos combatentes propriamente esperantistas, sinto o dever de referir-me a um homem que teve grandes méritos em nossa causa e ao qual infelizmente muitas vezes os esperantistas se referem com injustiça, por isso que ele, embora tenha feito muito pela idéia mesma duma língua internacional, não figura entre os amigos desta forma particular de língua, pela qual nos batemos. Refiro-me ao mui estimável senhor JOHANN MARTIN SCHLEYER, autor do Volapuque.

A forma de língua pela qual trabalhou esse venerando ancião não se revelou prática: o caminho que ele escolheu não se mostrou bom e a causa pela qual se bateu caiu cedo, ocasionando com sua queda grande desvantagem à idéia geral e particularmente à forma especial da idéia pela qual nós trabalhamos. Mas, devemos ser justos, devemos apreciar um homem, não pela sua vitória ou insucesso, senão pelos seus trabalhos.

E os trabalhos do Sr. SCHLEYER são grandíssimos. Com grande fervor trabalhou ele durante muitos anos pela idéia duma língua internacional; enquanto muitas pessoas davam somente projetos nus, foi ele o primeiro que teve paciência bastante para elaborar uma língua completa, do princípio ao fim (se bem que o Esperanto então já estivesse pronto, ainda não tinha sido publicado), e não foi culpa dele que a língua não se tivesse revelado prática. Foi ele o primeiro que por um trabalho longo despertou o interesse do mundo para a idéia de língua internacional, e não é culpa sua que o fracasso do Volapuque tenha desanimado o mundo por muito tempo, quanto à idéia duma língua artificial. Ele quis fazer um grande bem e para isso trabalhou muitíssimo e fervorosamente; devemos apreciá-lo, não pelo êxito, mas pela vontade firme e pelo trabalho perseverante. Se a idéia de uma língua internacional um dia vencer no mundo - pouco importa que seja na forma do Esperanto, ou de alguma outra língua - o nome de Schleyer ocupará sempre o lugar mais honroso na História de nossa idéia, e de tal nome o mundo nunca se esquecerá. Creio que exprimirei a opinião de todos os membros deste Congresso, dizendo: "Expressamos o nosso cordial reconhecimento ao Sr. Schleyer, o primeiro e o mais enérgico pioneiro da idéia de língua neutra internacional".

Passo agora aos trabalhadores propriamente esperantistas.

Não chegou ainda o tempo de se escrever a história oficial do nosso movimento e eu recearia cometer injustiça contra uma ou outra personalidade, se fizesse apreciação dos méritos dos diversos combatentes. Assim, não mencionarei nome algum à parte, a todos igualmente expresso, em nome dos amigos do Esperanto, cordial reconhecimento pelo seu trabalho. São decorridos dezoito anos desde o dia em que no mundo apareceu o Esperanto. Fáceis não foram estes dezoito anos. Vejo agora em volta de mim um número imenso de ardorosos amigos do Esperanto, representantes de quase todos os países do globo terrestre, de todas as nações do mundo, de todas as posições, situações e classes. Muito grande já é a nossa literatura, mui numerosas são as nossas revistas e jornais, no mundo todo já temos grupos e clubes esperantistas e a nenhum homem instruído do mundo é desconhecido o nome de nossa língua. Quando vejo o brilhante estado atual da nossa causa, recordo-me comovido dos primeiros pioneiros, que trabalharam pelo Esperanto, na época triste em que por toda a parte só encontrávamos o escárnio e a perseguição. Muitos deles ainda vivem e contemplam agora com júbilo o fruto de seu trabalho. Mas, infelizmente, muitos outros dos nossos pioneiros já não vivem.

Dezoito anos são um longo período. Neste grande espaço de tempo, a morte nos roubou muitos dos nossos fervorosos companheiros de peleja. Citar todos os nomes seria impossível; mencionarei somente alguns dentre eles.

Demasiado cedo nos deixou LEOPOLDO EINSTEIN, o primeiro propagandista enérgico de nossa causa; sua morte foi duro golpe para o movimento em geral e muito particularmente na Alemanha. Depois, a morte nos roubou JOSÉ WASNIEWSKI, o apóstolo simpático e por todos amado de nossa causa na Polônia. Há poucos anos morreu aquele a quem o Esperanto deve muito, muitíssimo, e sem o qual talvez hoje não existisse absolutamente: refiro-me ao inolvidável W. H. TROMPETER. Nunca falando em si mesmo, nenhum reconhecimento exigindo para sua pessoa, ele tomou sobre os ombros a nossa causa toda, nas circunstâncias mais difíceis: sozinho, sustentou-a por tanto tempo quanto foi necessário a que o número de esperantistas se tornasse suficientemente grande para se manter pelas forças comuns conjugadas. Quão feliz seria ele agora, se visse o estado atual do movimento!

Além das três pessoas mencionadas, há um grande, infelizmente, muito grande número de pessoas que muito trabalharam para a nossa causa e já não moram no nosso mundo e não podem ver os frutos de seus trabalhos. Morreram os corpos, mas não morreram em nossa lembrança. Eu proponho, Excelentíssimas Senhoras e Senhores, que lhes honremos a memória, levantando-nos de nossas cadeiras. As sombras de todos os combatentes esperantistas mortos, o Primeiro Congresso Esperantista expressa seu respeito e piedosa saudação.

Em breve terão início os trabalhos do nosso Congresso, dedicado à verdadeira confraternização da humanidade. Neste momento solene, o meu coração está cheio de algo indefinível e misterioso e sinto o desejo de aliviá-lo com uma prece, de me dirigir a uma Força Altíssima, implorando seu auxílio e sua benção. Mas, assim como neste momento não sou membro de uma nação particular, e sim apenas um homem, sinto igualmente que não pertenço neste momento a nenhuma religião nacional ou partidária, que sou apenas um homem. E neste momento tenho diante dos olhos da alma somente aquela Força moral que todo o homem sente em seu coração e a essa Força desconhecida dirijo a minha oração:

A ti, ó mistério incorpóreo e potente,
ó força que o mundo governas,
a ti, do amor e verdade nascente
e fonte de vidas eternas,
a ti, que diverso a nós todos pareces,
mas único e igual para as almas em preces,
a ti, que dominas os tempos afora,
oramos agora!

A ti não viremos com crenças fanáticas,
com normas de cega doutrina:
agora se calam as brigas dogmáticas,
pois crença de amor nos domina.
Com ela que o homem igualmente venera,
com ela e sem lutas, com ela que é vera,
ergamo-nos, filhos no mundo dispersos,
em preces imersos.

Perfeitos e belos criastes os humanos,
mas eles lançaram-se à luta;
aos povos atacam os povos tiranos,
irmãos aos irmãos em disputa.
Quem quer que tu sejas, poder escondido,
escuta este nosso sincero pedido:
dá paz sem fuzil e sem lança
da Terra à criança!

Juramos trabalho e renhida peleja
que a Terra irmanemos inteira!
Teu braço nos erga, tua mão nos proteja,
a fim de transpor a barreira!
Concede-nos benção em nossos labores,
concede-nos força em nossos fervores,
que contra o ataque feroz e selvagem
tenhamos coragem!

Aos ares ergamos o verde estandarte,
do bem e do belo sinal.
A força escondida nos seja baluarte
em prol da vitória final.
Quebremos dos povos os muros malditos,
que ruam por terra, que caiam em gritos:
no mundo dominem, após a maldade,
o amor e a verdade!

O peito vibrando, uni-vos, irmãos!
Avante da paz pelos trilhos.
Ainda que hebreus, muçulmanos, cristãos,
nós todos de Deus somos filhos!
Da sorte dos povos somente lembrados,
vencendo barreiras, fiéis e ousados,
à meta fraterna, constante,
corramos avante!"

(Discurso traduzido por Ismael Gomes Braga; poema traduzido por Geraldo Mattos; veja na fonte 3)

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Primeiro Congresso Esperantista em Boulogne-sur-Mer (1905). Discurso na Primeira Reunião Geral (Introdução da "Declaração")

O comitê organizador me fez a honra de me escolher como presidente do congresso e eu aceitei este papel com gratidão. Mas naturalmente eu sozinho sou fraco demais para conduzir os assuntos do congresso; portanto vocês tenham a bondade de eleger, como uma ajuda para mim, alguns vice-presidentes. Foram propostos a mim os nomes que eu agora lhes apresento. São:

sr. reitor Boirac, da França;
sr. advogado Michaux, o presidente organizador;
sr. general Sehert, membro da academia;
sr. coronel Pollen, da Inglaterra;
sr. dr. Mybs, da Alemanha.

Agora esta é a presidência provisória, a qual nós talvez preencheremos com os presidentes das sociedades nacionais em uma das reuniões futuras.

O tema do nosso discurso de hoje é a "Declaração". Mas antes de tudo nós precisamos de secretários; eu lhes proponho quatro nomes, são:

sr. Kuhnl, de Praga;
sr. Grabovski, de Varsóvia;
sr. Dervau, da Bolonha;
sr. Boulet, da Bolonha.

Agora eu peço às pessoas eleitas vir até a mim e me dar sua ajuda. Algumas palavras eu devo dizer agora sobre os desejos que foram expressos por uma pequena reunião de autores de projetos. Nós tivemos essa reunião a uma hora atrás e, como os diversos projetos são o principal assunto de nosso discurso nas reuniões, nós decidimos expressar para o congresso o desejo de que nós devemos fazer apenas discussões, não decisões, sobre os projetos. Pois pareceu a nós é cedo demais para fazer uma decisão qualquer. Os projetos não estão prontos para isso. Nós então faremos apenas discussões e no fim do congresso eu farei o questionamento, se vocês aceitam minha maneira de condução do congresso, que tudo dito é apenas projeto ou proposta; além disso, nós perderemos tempo demais para falar sobre os diversos temas. Nós então devemos falar sobre projetos apenas no princípio, e antes de tudo nós devemos eleger os projetos que não estão impressos. Eu darei a palavra então aos senhores cujos projetos não são ainda conhecidos; depois nós devemos falar sobre a questão, se é necessário criar uma liga ou comitê central, sem falar sobre os diversos detalhes.

Quando o congresso estiver encerrado, nós podemos propor um comitê provisório que, se apoiando em várias opiniões, fará o seu trabalho no decorrer do ano inteiro ! Depois, no congresso seguinte, ele apresentará a nós o programa de trabalho e então nós poderemos tomar as decisões definitivas.

Conforme o programa, a primeira reunião é dedicada à "Declaração" que eu quero lhes propor. Como existem muitas pessoas que não tem clareza sobre nosso assunto, eles desejam que nós façamos alguma decisão qualquer; portanto eu lhes proponho a "Declaração"; eu leio para vocês o meu projeto e peço a vocês para me dizer, se vocês o aceitam em princípio. Para os detalhes nós escolheremos um comitê provisório que examinará severamente o texto, e o definitivo nós apresentaremos a vocês em um dos congressos seguintes. Eu leio agora o projeto de texto da "Declaração": (1)

Como são muitos os que não conhecem bem as relações da coleção aprovada, eu esclarecerei a vocês o assunto em poucas palavras. Mas para evitar todo conflito, eu devo informar a vocês que eu tenho a esperança, após o consentimento mútuo com a firma Hachette, que agora todas as causas de conflito desaparecem.

No começo da minha batalha eu não achei outra maneira para proteger os aprendizes dos livros ruins. Nenhuma espécie de monopólio existe em nosso assunto e nunca existirá. O único e principal que eu dou é um privilégio; eu repito a palavra: não monopólio, apenas privilégio ! Para isso, conforme o desejo dos esperantistas, eu quis ter alguma espécie de firma poderosa, e nenhuma queria aceitar sem que ela receba alguma espécie de privilégio. Portanto à firma Hachette eu deixei um privilégio pessoal sobre minhas obras e não de outras obras. Não há nenhuma sobra de dúvida !

Vocês agora ouviram a "Declaração" e eu lhes peço que agora reflitam interiormente sobre o seu conteúdo. Nós escolhemos um comitê para conversar sobre o texto definitivo.

Agora estão nos esperando no banquete ! Sobre todas as coisas que nós não poderemos falar hoje, nós podemos falar nas reuniões futuras.

(1) Veja o anexo B no final. O esclarecimento seguinte trata sobre o ponto 7, que não ficou na versão definitiva da Declaração.

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Primeiro Congresso Esperantista em Boulogne-sur-Mer (1905). Discurso oficial no banquete

Senhoras e senhores - Lamentavelmente eu não posso falar tão belo quanto falou antes de mim o sr. Michau. Eu nunca falei em público; então me perdoem se talvez eu não falar com total fluência. Simplesmente por algumas palavras eu quero chamar a atenção de vocês para a pessoa a quem nós agradecemos o grande prazer no presente momento. Nós o agradecemos ao sr. Michau, o incansável organizador do congresso. Não foi um pequeno trabalho que ele assumiu; ele cuidou de tudo, ele deu tempo e vontade para a organização de nossa importante festa. Portanto antes de tudo eu ergo minha taça à saúde do sr. Michau e de todos seus ajudantes.

Depois eu devo antes de tudo lembrar da cidade de Boulogne-sur-Mer, na qual nós encontramos uma hospitalidade de tamanha boa vontade. Minha taça eu ergo pelo bom estado, a glória e a honra da cidade de Boulogne-sur-Mer, a saúde dos seus dirigentes e do representante da câmara comercial. Eu ergo minha taça para o bom estado do grande e glorioso país chamado França.

Este país tem a simpatia do mundo, de todos os povos. Para nós esperantistas ele deve ser ainda mais querido. Nós podemos dizer, a França é o país que muito fez por nossa causa. A França é sempre o primeiro país em tudo o que promete algum bem para a humanidade. Agora eu também quero beber pela saúde de todos os irmãos e irmãs esperantistas. Existem muitos em vários países e cidades que de boa vontade participariam conosco no grande congresso, mas eles não puderam vir. Bebamos pela saúde deles. Por fim bebamos em geral pela glória da confraternização da humanidade inteira de todos os povos. Mas nós devemos ter esperança de que isto não são apenas palavras, isto deve se tornar um fato totalmente real, que nós tenhamos no mundo uma grande família de irmãos.

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O discurso de L. L. Zamenhof na abertura do Segundo Congresso Esperantista em Genebra em 28 de Agosto de 1906.

Estimadas senhoras e senhores! Eu espero completar o desejo de todos os presentes, se no momento da abertura do nosso segundo congresso eu expressar em nome de todos vocês meu agradecimento de coração à brava pátria Suíça pela hospitalidade que mostrou ao nosso congresso, e à Sua Excelência o Presidente da Confederação Suíça, que gentilmente recepcionou há dois meses atrás nosso corpo de delegados. Uma saudação à parte para a cidade de Genebra, que já por muitas vezes gloriosamente inseriu seu nome na história de diversos assuntos internacionais importantes.

Permitam-me também expressar em nome de todos vocês um agradecimento de coração aos organizadores do presente congresso, aos prestativos Esperantistas Suíços que tanto e sem se cansar trabalharam no correr do ano passado, fundaram quase em todas as cidades suíças grupos esperantistas e com muito esforço fizeram tudo que puderam para a preparação do nosso congresso com sucesso; ao Comitê Central Organizador Provisório, que principalmente na pessoa do seu presidente trabalhou com tanta energia e cuidou com tanto esforço de todos os preparativos; por fim - mas certamente não menos importante - àqueles amigos escondidos que pela generosa fundação do Escritório Central deu um sólido fundamento para todos os trabalhos mais importantes.

Senhoras e senhores! Na abertura de nosso congresso vocês esperam de mim algum tipo de discurso; talvez vocês esperem de mim algo oficial, algo indiferente, pálido e sem conteúdo, como são de costume os discursos oficiais. No entanto, tal discurso eu não posso dar a vocês. Eu geralmente não gosto de tais discursos, mas especialmente agora, no presente ano, tal discurso oficial incolor seria um grande pecado da minha parte.

Eu venho de um país onde agora muitos milhares de pessoas com dificuldade batalham pela liberdade, pela mais elementar liberdade humana, pelos direitos humanos. Sobre isso, no entanto, eu não não falaria a vocês; pois se como pessoa em particular cada um de vocês talvez segue com interesse a difícil batalha no grande país de muitos milhares de pessoas, no entanto como Esperantistas esta batalha não poderia lhes tocar, e nosso congresso nada tem em comum com assuntos políticos. Mas além da batalha puramente política, na dita nação é feito agora algo que em nós como Esperantistas não pode deixar de mexer: nós vemos nessa nação uma batalha cruel entre as etnias. Lá uma pessoa de um país não ataca pessoas de outro país por causa de interesses políticos da pátria-mãe - lá os filhos naturais do mesmo país se jogam como animais ferozes contra os mesmos filhos naturais dessa mesma nação apenas porque eles pertencem à outra etnia.

A cada dia se extinguem lá muitas vidas humanas por meio de uma batalha política, porém muito mais vidas humanas se extinguem lá por meio da luta entre as etnias. É terrível o estado das coisas no Cáucaso multilíngüe, é terrível o estado na Rússia Ocidental. Amaldiçoado, mil vezes amaldiçoado seja o ódio entre etnias ! Quando eu era ainda criança, eu, na cidade de Bielostok, observava com dor a recíproca estranheza que divide entre si os filhos naturais do mesmo país e da mesma cidade. E eu sonhava então, que passará certo número de anos, e tudo se mudará e melhorará. E efetivamente passou certo número de anos, e ao invés de meus belos sonhos eu avistei algo de fato terrível: nas ruas da minha infeliz cidade natal, homens selvagens com machados e estacas de ferro se jogavam como os mais cruéis animais contra tranqüilos habitantes, cuja culpa consistia apenas no fato de que eles falavam outra língua e tinham outra religião da etnia que não eram os mesmos daqueles selvagens. Por causa disso se esmagavam os crânios e furavam os olhos de homens e mulheres, idosos caducos e crianças sem proteção ! Eu não quero lhes contar os terríveis detalhes do cruelíssimo massacre de Bielostok; para vocês como para Esperantistas eu quero apenas dizer que entre os povos ainda são terrivelmente altos e robustos os muros, contra os quais nós batalhamos.

Sabe-se que o povo Russo não é culpado no bestial massacre em Bielostok e muitas outras cidades, pois o povo Russo nunca foi cruel e sanguinário. sabe-se que os Tátaros e Armenos não são culpados no constante massacre, pois ambos os povos são povos tranqüilos, não desejam impor a alguém o seu reinado, e a única coisa que eles desejam é apenas que deixem eles viver tranqüilamente

Sabe-se agora com total clareza que culpado é o conjunto de criminosos abomináveis que, por diversos e mais vis maneiras, por mentiras e calúnias colocadas na cabeça de multidões, criam um ódio terrível entre uns povos e outros. Mas, será que as maiores mentiras e calúnias poderiam dar frutos de tal modo terríveis, se os povos reciprocamente se conhecessem bem, se entre eles não estivessem de pé muros altos e robustos que impedem a eles livremente comunicar-se entre si e ver que os membros de outros povos são inteiramente as mesmas pessoas como os membros do nosso povo, que a literatura deles não prega nenhum tipo de crimes cruéis, mas tem a mesma ética e os mesmos ideais de nosso povo ? Quebremos, quebremos os muros entre os povos, para dar a eles a possibilidade de livremente se familiarizar e se comunicar sobre um fundamento neutro, e apenas então poderá desaparecer essas bestialidades que nós agora vemos em diversos locais !

Nós não somos tão ingênuos como algumas pessoas pensam sobre nós; nós não acreditamos que o fundamento neutro fará anjos entre os homens; nós sabemos muito bem que os homens ruins depois continuarão ruins; mas nós cremos que a comunicação e familiarização sobre um fundamento neutro retirarão ao menos o grande volume dessas bestialidades e crimes, que não são causadas pela má vontade, mas simplesmente pela imposição forçada a si próprio.

Agora, quando em vários lugares do mundo a batalha entre os povos se tornou tão cruel, nós, Esperantistas, devemos trabalhar mais energicamente do que já trabalhamos. Mas para que o nosso trabalho seja portador de frutos, nós devemos antes de tudo esclarecer bem a nós sobre a idéia interna do Esperantismo. Nós todos inconscientemente sempre fizemos alusão a esta idéia em nossas falas e obras, mas nunca falamos sobre ela mais claramente. Já é tempo para que nós falemos mais clara e precisamente.

Da declaração unanimemente aceita no congresso de Boulogne, nós todos sabemos, o que é o Esperantismo em relação prática; desta declaração nós também sabemos, que "esperantista é chamada cada pessoa que usa a língua Esperanto, totalmente igual, para quaisquer objetivos que ele a usa". Esperantista conseqüentemente é não somente essa pessoa que usa Esperanto única e exclusivamente para objetivos práticos; Esperantista é também a pessoa que usa o Esperanto para ganhar dinheiro através dele; Esperantista é a pessoa que usa o Esperanto apenas para se divertir; Esperantista finalmente é até mesmo a pessoa que usa o Esperanto para os piores e mais odiosos objetivos. Mas além do lado prático, obrigatório para todos e mostrado na declaração, o Esperantismo tem ainda outro lado, não obrigatório, mas muito mais importante, um lado idealístico. Este lado, diversos Esperantistas podem clarear para si nas mais diversas maneiras e nos mais diversos graus. Portanto, para evitar toda desavença, os Esperantistas decidiram deixar a cada um plena liberdade em aceitar a idéia interna do Esperantismo na forma e no grau que ele próprio desejar, ou - se ele quiser - até totalmente não aceitar algum tipo de ideal para o Esperantismo. Para tirar de uns Esperantistas qualquer responsabilidade pelos atos e ideais dos outros Esperantistas, a declaração de Bolônia deu precisão à oficial, essência do Esperanto aceita por todos indistintamente, e acrescentou as seguintes palavras: "Toda outra esperança ou sonho, que essa ou outra pessoa liga ao Esperanto, é assunto totalmente particular, sobre o qual o Esperantismo não responde.". Mas infelizmente alguns amigos Esperantistas explicaram para si a palavra "particular" no sentido de "não permitido", e dessa maneira, ao invés de conservar para a idéia interna do Esperantismo a possibilidade de se desenvolver totalmente livre, eles quiseram aniquilar completamente essa idéia.

Se nós, batalhadores pelo Esperanto, de própria vontade demos ao vasto mundo o direito pleno de observar o Esperanto apenas pelo seu lado prático e usá-lo apenas para nossa utilidade, isto naturalmente dá a ninguém o direito de exigir que nós todos vejamos no Esperanto apenas o assunto prático. Infelizmente nos últimos dias aparecem entre os Esperantistas estas vozes que dizem: "Esperanto é apenas uma língua, evite ligar até de modo totalmente particular o Esperantismo com algum tipo de ideal, pois de outra forma se pensará que nós todos temos esse ideal, e nós desagradaremos a várias pessoas que não amam essa idéia !". Oh, que palavras ! Do medo de que nós talvez não agrademos a essas pessoas que querem mesmo usar o Esperanto apenas para assuntos práticos a eles, nós todos devemos rasgar de nosso coração essa parte do Esperantismo, que é a mais importante, a mais santa, essa idéia que era a finalidade principal do assunto do Esperanto, que era a estrela, que sempre guiou todos os batalhadores pelo Esperanto ! Oh, não, não, nunca ! Com um protesto enérgico nós jogamos fora esta exigência. Se alguém obrigar a nós, os primeiros batalhadores pelo Esperanto, a evitar em nossa ação todo ideal, nós indignados despedaçaremos e queimaremos tudo o que nós escrevemos pelo Esperanto, nós anularemos com dor os trabalhos e ofertas de nossa vida inteira, nós jogaremos para bem longe a estrela verde que está em nosso peito, e nós exclamaremos com abominação: "Com tal Esperanto que deve servir exclusivamente apenas aos objetivos do comércio e utilidade prática, nós não queremos ter nada em comum!". Virá um dia o tempo em que o Esperanto, tendo se tornado uma posse da humanidade inteira, perderá sua característica de ideal; então se tornará apenas uma língua, já não se batalhará por ela, apenas se tirará proveito dela. Mas agora, quando quase todos Esperantistas são ainda não lucradores, mas apenas batalhadores, nós todos estamos muito bem conscientes, que não é o pensamento sobre a utilidade prática que nos incentiva ao trabalho para o Esperanto, mas apenas o pensamento sobre a santa, grande e importante idéia que a língua internacional contém em si. Esta idéia - vocês todos a sentem bem - é fraternidade e justiça entre todos os povos. Esta idéia acompanhou o Esperantismo desde o primeiro momento de seu nascimento até o tempo atual. Ela incentivou o autor do Esperanto, quando ele ainda era uma pequena criança, quando há vinte e oito anos atrás um grupinho de colegiais formado de gente de várias etnias festejava o primeiro sinal da vida do futuro Esperanto, eles cantaram um canto no qual após cada estrofe eram repetidas as palavras: "inimizade das nações, caia, caia, já é tempo".

Nosso hino canta sobre o "novo sentimento que veio para o mundo", todas as obras, palavras e ações do iniciador e dos atuais Esperantistas sempre respiram com total clareza essa mesma idéia. Nunca nós escondemos nossa idéia, nunca pôde haver nem mesmo a menor dúvida sobre ela, pois cada um falou sobre ela e trabalhou doando de si. Porque então se juntaram a nós as pessoas que vêem no Esperanto "apenas uma língua" ? Porque eles não temeram que o mundo os culpará pelo grande crime, pelo desejo a saber, de ajudar à paulatina união da humanidade ? Eles não vêem que suas falas são contrárias aos seus próprios sentimentos e que eles inconscientemente sonham com o mesmo que nós sonhamos, ainda que por causa do incorreto medo ante uns atacantes sem sentido eles penam em negar isto?

Se eu, que toda a melhor parte da minha vida passei por própria vontade em grandes sofrimentos e provas e não reservei para mim nem mesmo algum tipo de direito autoral - eu fiz isto por causa de alguma utilidade prática? Se os primeiros Esperantistas pacientemente se expuseram não só à constante zombaria, mas até mesmo à grandes provas, e por exemplo uma pobre professora sofreu a fome durante um longo tempo apenas para que ela pudesse poupar um pouco de dinheiro para a propaganda do Esperanto - eles todos fizeram isto por causa de alguma utilidade prática?

Se com freqüência pessoas presas ao leito da morte escreviam a mim que o Esperanto é o único consolo do seu pouco tempo de vida, será que eles então pensavam em alguma utilidade prática? Oh, não, não, não ! Todos lembravam apenas da idéia interna embutida no Esperantismo; todos gostavam do Esperanto não por que ele aproximava reciprocamente os corpos das pessoas, nem mesmo por que ele aproximava os cérebros das pessoas, mas apenas por que aproximava os corações deles.

Vocês lembram o quão forte nós todos estávamos entusiasmados em Boulogne-sur-Mer. Todas as pessoas que participaram no congresso de lá conservaram dele a mais agradável e entusiasmada lembrança para a vida inteira, todos o chamaram de "o inesquecível congresso". O que então tanto entusiasmou os membros do congresso ? As diversões por si mesmas ? Não, de fato cada um pode ter em cada momento diversões muito maiores, escutar uma peça teatral e cantos muito melhores e executados não por amadores inexperientes, mas pelos mais perfeitos especialistas ! Entusiasmou-nos o grande talento dos palestrantes ? Não, nós não os tínhamos em Boulogne Foi o fato de que nós nos entendemos reciprocamente ? Mas em cada congresso nacional nós de fato não nos entendemos pior, e, no entanto, nada nos entusiasmou. Não, vocês todos se sentem muito bem, que nos entusiasmou não as diversões por si mesmas, não a recíproca compreensão por si mesma, não a utilidade prática que o Esperanto mostrou, mas a idéia interna do Esperantismo que nós todos sentimos em nosso coração. Nós sentimos que se inicia a queda dos muros entre os povos, nós sentimos o espírito da fraternidade de cada homem. Nós estávamos muito bem conscientes de que, até o desaparecimento final dos muros, estamos ainda muito e muito distantes; mas nós sentimos que nós somos testemunhas do primeiro golpe forte contra esses muros; nós sentimos que ante os nossos olhos voa algum semblante de um futuro melhor, semblante esse ainda muito nebuloso e que, no entanto, a partir de agora mais e mais se encorpará e se tornará poderoso.

Sim, meus caros colaboradores ! Para o mundo indiferente o Esperanto pode ser apenas algo de utilidade prática. Todo aquele que usa o Esperanto ou trabalha por ele é Esperantista, e todo Esperantista tem o pleno direito de ver no Esperanto apenas uma língua simples, um frio instrumento de compreensão internacional semelhante aos símbolos marítimos, ainda que mais perfeito. Tais Esperantistas provavelmente não vêm aos nossos congressos ou virão apenas para fins de pesquisa, práticos ou para uma fria discussão sobre questões puramente lingüísticas, puramente acadêmicas, e eles não participarão na nossa alegria e entusiasmo, que talvez parecerão a eles ingênuo e infantil. Mas esses Esperantistas que pertencem ao nosso assunto não por meio de sua cabeça, mas através de seu coração, esses sempre sentirão e gostarão no Esperanto da sua idéia interna antes de tudo; eles não temerão que o mundo caçoadamente chame-os de utopistas, e os chauvinistas nacionais até atacarão o ideal deles como se fosse um crime; eles estarão orgulhosos desse nome utopistas. Cada novo congresso nosso consolidará neles o amor à idéia interna do Esperantismo, e pouco a pouco nossos congressos anuais se tornarão uma festa constante da humanidade e da fraternidade humana.

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O discurso de L. L. Zamenhof na abertura do Terceiro Congresso Esperantista em Cambridge em 12 de Agosto de 1907.

Caros coidealistas ! Em conformidade com o costume até agora, em começo o meu discurso permitindo a mim, em nome de todos os participantes do congresso, expressar nossa saudação e agradecimento ao país que com muita hospitalidade nos aceitou, e principalmente aos nossos coidealistas Britânicos que com muitos trabalhos e grande cuidado preparou para nós essa festa, na qual nós todos agora participamos. Desde o momento em que nossos amigos Britânicos convidaram-nos até aqui, nós todos estivemos convencidos de que o nosso congresso no país deles terá um significado particular e fará história. E não é difícil prever que nossa esperança não nos enganou, pois isto não foi garantido a nós somente pela conhecida energia e dedicação de nossos amigos Britânicos, mas também pela própria característica do país deles.

O fato de que nós fazemos o congresso agora na gloriosa cidade universitária da Grande Inglaterra tem um grande significado. Os contrários à nossa idéia constantemente repetem a nós, que os povos falantes de Inglês nunca se aliarão a nós, não somente porque eles menos que todos os outros povos sentem a necessidade de uma língua internacional, mas para eles o fortalecimento de uma língua internacional é diretamente inútil, pois tal língua concorrerá no mundo antes de tudo com a língua Inglesa, que pretende se tornar internacional.

E, no entanto, olhem como nossos opositores erraram grandemente ! Olhem como já se aliaram em grande grupo a nós os Britânicos, os quais tanto não querem aprender outras línguas além da sua língua nacional; olhem com qual amor eles prepararam nosso congresso e em quão grande número eles apareceram, a fim de desejar a nós as boas-vindas ! Isto mostra antes de tudo que as pessoas começaram já a compreender que uma língua internacional é útil não somente para povos fracos, mas também para povos fortes; mas isto mostra ainda outra coisa, muito mais importante: que os homens vejam no Esperantismo não só um assunto de oportunidade egoísta, mas sim uma idéia importante de justiça e fraternidade entre os povos, e a esta idéia as pessoas nobres de todos os povos querem servir, com total igualdade, se seus povos são fortes ou fracos, e se a justiça entre os povos é para eles proveitosa ou não. Nós sabemos que nós conduzimos a maioria de nossos coidealistas Britânicos à idéia interna do Esperantismo, e nós com tanta alegria expressamos aos nossos amigos Britânicos nosso agradecimento de coração. As pessoas de Cambridge nos acolhem hoje não como comerciantes que trazem a eles um proveito, mas como porta-vozes da idéia da humanidade, a qual eles entendem e gostam; agradecimento de coração às pessoas de Cambridge, agradecimento de coração à gloriosa universidade de Cambridge que emprestou a nós seus quartos, agradecimento de coração à prefeitura de Cambridge que com muita hospitalidade zelou pelo nosso bem. Nós saudamos de coração você, grande povo Britânico, e com o maior respeito saudamos seu alto representante, Sua Alteza Real. Viva ao Rei para vocês, que Ele viva muito tempo, Deus O guarde !

Coidealistas ! No momento da abertura do nosso terceiro congresso nós não podemos ficar em silêncio pela multidão de amigos, os quais a morte apanhou durante o ano passado; vocês todos lembram que logo após o congresso de Genebra nós ficamos sabendo da infeliz morte do Dr. Lloyd, presidente do Grupo de Liverpool. Nós perdemos também dois amigos eminentes de nosso assunto, o glorioso cientista Berthelot e o Prof. Michael Foster, que esperava nos acolher em Cambridge. Por fim, morreu nosso mais querido coidealista e amigo, que era alma dos nossos congressos de até agora, o motor principal do nosso último congresso em Genebra, o fundador, apoiador e inspirador de nosso Comitê Permanente do Congresso. Vocês todos sabem de quem eu falo. Nosso inesquecível amigo Javal não existe mais. A vocês, amigos Esperantistas de todos os países, e a vocês, nossos estimados hóspedes que simpatizam com o nosso assunto, eu proponho que nós honremos a memória de nosso coidealista de muitos méritos e a de todos os Esperantistas falecidos nos levantando de nossas cadeiras.

Coidealistas ! Há três semanas atrás se completaram exatamente vinte anos do dia em que apareceu em público o primeiro livro sobre a língua Esperanto. Em todas as partes do mundo os Esperantistas festejaram esse dia. Como fundador do Esperanto, eu recebi nesse dia muitos telegramas e cartas de felicitações. Como eu não tenho uma cancelaria, mas eu mesmo devo cumprir com tudo em minhas horas livres, assim facilmente se compreenderá que responder a todas as expressões de amizade recebidas é para mim algo absolutamente impossível, e me perdoarão facilmente. Eu uso apenas a boa ocasião para expressar meu mais sincero agradecimento a todos que enviaram a mim amigáveis votos de felicidade. As congratulações pertencem naturalmente não a mim pessoalmente, mas a todo o grupo batalhador de Esperantistas, e eu sou apenas o ponto central no qual todas as felicitações se juntaram, para de lá partir para todos os cantos do mundo, para todos os locais onde moram e trabalham nossos incansáveis coidealistas. Como que silenciosamente incumbido por todo o conjunto de Esperantistas, eu digo a todos batalhadores Esperantistas: Eu lhes parabenizo ! Eu lhes felicito de coração por vocês terem agüentado pacientemente no decorrer de vinte anos, apesar dos muitos ataques e coisas desagradáveis que a nenhum de vocês faltou. Eu agradeço a vocês de coração por causa desses resultados que o vosso enérgico e voluntário trabalho de vinte anos deu. Vinte anos de trabalho para o Esperantismo ! O que isso significa, - será compreendido apenas algum dia mais tarde quando for lida a história detalhada do Esperantismo. Quão grandessíssima importância têm nossas conquistas até agora, isso também só será compreendido algum tempo depois, quando se souber detalhadamente a história dos nossos primeiros anos nos quais a conquista de cada novo Esperantista estava ligada ao trabalho infinito e a entrega.

Muitos de vocês conhecem a história dos últimos dez anos do Esperantismo, quando as sementes há muito tempo adormecidas começaram a dar os primeiros ramos; mas poucos de vocês conhecem a história dos primeiros dez anos, que consistiam de uma infinita e de semeadura aparentemente de total insucesso. A história do Esperantismo um dia contará a vocês sobre todos os semeadores daquela época.

Agora o nosso assunto está fortemente de pé. A camada de gelo dos pré-julgamentos do mundo está rompida, e nosso assunto cresce regularmente e sem parar. Cada ano potencialmente aumenta as nossas forças, e nós vamos rumo ao nosso objetivo já com plena tranqüilidade Centenas de milhares de raízes pequenas e grandes sustentam a nossa árvore, a qual já não teme o vento. A natureza, que durante um longo tempo batalhou contra nós, batalha agora por nós, pois essa mesma força de inércia que durante um longo tempo atrapalhou cada passo nosso, ela mesmo empurra para frente. Até mesmo se nós quiséssemos parar, nós já não poderíamos.

Eu passo ao verdadeiro tema do meu discurso de hoje. Eu quero falar a vocês hoje sobre a essência e objetivo de nossos congressos. Mas para evitar incompreensão de todo o tipo, eu logo no começo lhes chamo a atenção de que minha fala não é algo oficial, ela apresenta simplesmente a minha opinião pessoal, a qual cada um de vocês pode aprovar ou não.

Por que nós de todos os países do mundo decidimos reunir anualmente e muitos de nós fazemos até sacrifícios muito grandes para poder participar em nossos congressos, por isso nós devemos esclarecer para nós, para que nós nos reunimos. Se nós estivermos bem conscientes da essência e objetivo de nossos congressos, então nós viremos a ele com um entusiasmo sempre fresco e que nunca se enfraquece, como pessoas que claramente vêem ante si o belo objetivo, para o qual eles vão; Mas se nós não estivermos conscientes do objetivo de nossos congressos, então nós logo esfriaremos por completo para eles, como pessoas que vagam sem objetivo e que logo estão cansadas e aborrecidas por esse caminho errante.

Para que então nós nos reunimos ? Nós nos reunimos para falar sobre perguntas lingüísticas do Esperanto ? Não ! Estas perguntas pertencem não ao nosso congresso, mas exclusivamente ao Comitê Lingüístico, e para eles seria suficiente um congresso de membros do comitê. Nós nos reunimos para nos exercitar na pronúncia do Esperanto ? Somente para isso nós não precisamos viajar ao congresso, pois em nossos grupos locais nós podemos no decorrer do ano inteiro nos exercitar muito mais do que em alguns dias do congresso, e para o único exercício de alguns dias ninguém empreenderia viagens.

Nós nos reunimos para fazer uma manifestação e em seguida propaganda? Sim, certamente ! Mas já que de cem participantes ao menos 99 têm pelo Esperanto apenas um lucro moral, para que então nós fazemos propaganda dele ? Eu não duvido que a maioria de vocês nos dará apenas uma resposta: Nós fazemos manifestação e propaganda para o Esperantismo não por causa de alguma utilidade que todos nós podemos ter pessoalmente dele, mas por causa desse importantíssimo significado que o Esperantismo possui para toda a humanidade, por causa desse objetivo humano comum que nós, ativos esperantistas, atraímos para o Esperanto; nós de todas as partes do mundo nos reunimos anualmente para ter a alegria de ver coidealistas, para apertar a mão deles, para esquentar em nós através do encontro recíproco e convivência o amor e o entusiasmo pela idéia que o Esperantismo tem em si. Como os antigos Hebreus por três vezes se reuniram em Jerusalém para dar ânimo dentro de si ao amor à idéia monoteísta, assim nós anualmente reunimos na capital dos esperantistas para vigorar em nós o amor ao ideal do Esperantismo. E esta é a principal essência e o principal objetivo de nossos congressos.

Como o mundo sempre entendeu que o Esperantismo está fortemente ligado com certa idéia interna, e muitas pessoas não quiseram aprender e usar o Esperanto apenas porque eles não queriam ser vistos como partidários de algum tipo de idéia, então - para não afugentar grandes multidões de nós, - nós fomos obrigados a esclarecer através da declaração de Boulogne-sur-Mer que a simples qualidade de Esperantista, ou seja, o uso da língua Esperanto, a ninguém obriga ser partidário dessa ou de outra idéia, que cada Esperantista permanece pessoa totalmente livre e uns Esperantistas não respondem pelas idéias de outros Esperantistas. Mas se a simples qualidade prática de Esperantista, isto é, o simples aprendizado e uso do Esperanto, a ninguém obriga se alinhar a alguma idéia, no entanto ninguém pode duvidar que todos, ou pelo menos a grandíssima maioria das pessoas que batalham pelo Esperanto, são unidas por uma idéia em comum que é o estímulo total do trabalho deles.

Cada um Esperantista em particular pode ter tais convicções ou fazer tais ações que ele quiser, e nós não respondemos pelas suas convicções, nem ações, assim como ele não responde pelas nossas. Ele pode ser o maior egoísta, chauvinista do povo, odiador de pessoas ou até mesmo o mais vil criminoso, e se ele apenas usa a língua Esperanto nós não podemos o impedir de se dizer como Esperantista. Mas se ele quer vir a um congresso Esperantista, ou se ele quer se tornar membro de outra instituição que porta o estandarte verde, então a coisa se modifica. Então ele veio para um país que tem suas leis específicas, suas morais específicas e princípios.

No mundo do Esperanto não apenas a língua Esperanto domina, mas também a idéia interna do Esperantismo; no mundo do Esperanto não somente domina o Esperantismo oficial geral, - lá domina também algo a mais, algo até agora ainda não formulada precisamente, mas muito bem sentido por todos os membros - lá domina o estandarte verde !

O que é o estandarte verde? Se para algum comerciante que usa o Esperanto apenas para vender seus produtos, ou para algum esportista que usa o Esperanto apenas para se divertir, nosso estandarte é um simples símbolo de nossa língua, uma simples decoração aceita para os nossos congressos e instituições - nós, Esperantistas batalhadores certamente vemos no nosso estandarte algo a mais: Ele é para nós algo feito sagrado, ele é o sinal sob o qual nós marchamos para a nossa batalha pacífica, ele é a voz que constantemente nos lembra que nós trabalhamos para o Esperanto apenas por que nós esperamos que, mais cedo ou mais tarde, talvez depois de muitos séculos,

Sur neŭtrala lingva fundamento, (Sobre o fundamento de uma língua neutra)
Komprenante unu la alian, (Compreendendo um ao outro)
La popoloj faros en konsento (Os povos formarão em consenso)
Unu grandan rondon familian. (Um grande grupo familiar)

Nós constantemente repetimos que nós totalmente não desejamos nos misturar na vida interna dos povos, mas nós desejamos apenas criar uma ponte que faz ligação entre os povos. O lema dos Esperantistas ideais, nunca até agora precisamente formulado, mas sempre claramente sentido, é: "Nós desejamos criar um fundamento neutro, sobre o qual os diversos povos humanos em paz e fraternamente se comuniquem mutuamente, não impondo reciprocamente uns aos outros as particularidades de seus povos".

Esse, segundo minha opinião, é o lema do estandarte verde, desse belo e majestoso estandarte que nos convoca anualmente de todas as partes do mundo em nome do mais belo sonho da humanidade.

Para formular precisamente todos os detalhes do dito lema, não veio ainda o momento; eles se formularão por si mesmos, pouco a pouco, por meio de nossa reunião e convívio de cada ano. Eu quis apenas lhes chamar a atenção de que nossos congressos, feitos sob o símbolo do estandarte verde, são não somente os congressos da língua Esperanto, mas também da idéia interna do Esperantismo. Por conseguinte todo o tema no qual nós sentimos a essência do estandarte verde, tudo o que conduz à quebra dos muros entre os povos, pertence ao nosso congresso.

Vocês sempre ouviram sobre a neutralidade dos nossos congressos. Sim, neutralidade é o princípio central de nossos congressos; mas se deve compreender exatamente o sentido desta neutralidade. Neutralidade existe em todos os congressos internacionais; mas enquanto lá a neutralidade é simplesmente questão de sensatez, por aqui ela é o princípio central, por aqui a neutralidade, ou mais precisamente a neutralização das relações entre os povos, é o conteúdo total, o objetivo inteiro dos nossos trabalhos. Portanto nós nunca devemos falar em nossos congressos sobre assuntos especialmente políticos, os quais pertencem aos diplomatas, ou sobre assuntos especialmente religiosos, os quais pertencem aos eclesiásticos e filósofos, - pois o estandarte verde impede a nós fazer algo que poderia ofender esse ou aquele povo ou grupo religioso; mas tudo o que, ofendendo a ninguém, pode criar uma ponte pacífica entre os povos, isso não somente não deve ser temorosamente evitado em nossos congressos, mas pelo contrário deve ser exatamente a essência dos nossos congressos, pois pertence ao estandarte verde.

Se nós lembrarmos das exigências do estandarte verde, então nós não temeremos mais falar e agir, então nós nos moveremos com consciência e coragem ao nosso objetivo, e nossos congressos se tornarão a cada ano mais interessantes e mais importantes para o mundo. A estrela verde cessará de ser um símbolo covarde de silêncio, ela se tornará símbolo de trabalho.

Tudo o que conduz ao rompimento dos muros entre os povos pertence ao nosso congresso. Vastos e grandes são as relações entre os povos e nações, e vastos e numerosos são os temas sobre os quais nós deveremos discutir. Assim, por exemplo, tendo nenhuma intenção de não misturar em algum tipo de sistema específico sobre esse ou aquele tema, pode-se propor aos nossos congressos sistema internacionais para a oportunidade e neutralidade de relações internacionais, como, por exemplo, um sistema monetário, de horas, de calendário, etc., internacionais, e então nós poderemos pesquisar se a proposta é boa ou não, mas nós não devemos dizer que a discussão sobre esses projetos é contrária ao nosso programa. Também se proporá, talvez, a nós a organização de algumas festas entre povos, que existiriam paralelamente com as festas especiais de cada povo e igreja e serviria para fraternalmente unir os povos entre si; também serão propostos outros assuntos similares. Não veio ainda o momento para falar de tudo detalhadamente, portanto me perdoem por que eu apenas faço alusão através de algumas palavras a isso que eu queria muito, muito mesmo falar com vocês; mas sempre mais e mais, começando de assuntos ínfimos e passando aos assuntos mais importantes, começando de assuntos puramente materiais e passando para todos os lados da essência humana e moral, serão propostos a nós vários remédios que servem à fraternalização das pessoas e ao rom,pimento dos muros entre os povos - e sobre tudo isso nós podemos julgar, aceitar ou não, mas nós nunca deveremos jogá-lo cegamente para fora. Pois tudo o que serve à fraternalização dos povos e ao rompimento dos muros de inimizade entre os povos - caso apenas não se mistura na vida interna dos povos - pertence ao estandarte verde.

Caros amigos ! - Eu esclareci a vocês o que - na minha opinião - deve ser o objetivo de nossos congressos. Enquanto cada Esperantista em particular pode se contentar por usar a língua Esperanto, nossos congressos - na minha opinião - devem trabalhar não somente pela língua, mas também pela idéia interna do Esperantismo. Eu repito que isso é minha opinião própria, a qual eu absolutamente não quero lhes propor como uma espécie de programa oficial para os nossos congressos. Nosso congresso deve simplesmente ser congresso de Esperantistas, e, com a condição de que seu programa seja preparado conforme o conjunto de regras do congresso, ele deve permanecer com total liberdade e se conformar a cada vez com as opiniões e desejos da maioria dos participantes do congresso.

Mas se vocês aprovarem minha opinião ou não, se vocês quiserem trabalhar conforme as exigências do estandarte verde ou não - eu não duvido que no fundo de seus corações vocês todos sentem o estandarte verde, vocês todos sentem que ele é algo mais do que um simples símbolo da língua. E quanto mais nós participarmos em nossos congressos anuais, tanto mais nós nos confraternizaremos e tanto mais os princípios do estandarte verde penetrarão em nosso ser. Muitas pessoas se aliam ao Esperantismo por causa da simples vontade de saber, por esporte, ou talvez até por um proveito esperado; mas a partir do momento em que eles fazem a primeira visita ao mundo do Esperanto, eles apesar de sua própria vontade, sempre mais e mais se inserem e se submetem às leis dessa nação. Pouco a pouco o mundo do Esperanto se tornará o local da educação da futura humanidade fraternizada, e nisto consistirão os mais importantes méritos dos nossos congressos.

Viva o Esperanto, mas antes de tudo viva o objetivo e a idéia interna do Esperantismo, viva a fraternidade dos povos, viva tudo que rompe os muros entre os povos, viva, cresça e floresça o estandarte verde!

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O discurso de L. L. Zamenhof após o Terceiro Congresso Esperantista no Guildhall de Londres em 21 de Agosto de 1907.

(Sobre Melhorias e Patriotismo)

Estimado representante da cidade de Londres, caros coidealistas ! - É para mim muito agradável ter agora a oportunidade de saudar o povo britânico em sua grande capital. Nós estamos vindo de Cambridge, onde nossos coidealistas britânicos com grande esforço prepararam para nós uma belíssima festa; não somente nossos coidealistas, mas também a cidade ainda não esperantizada, fizeram tudo o que eles puderam para que nós, Esperantistas, levemos da cidade a melhor lembrança. Portanto agora as minhas primeiras palavras são de sincero agradecimento pela hospitalidade, pois certamente nenhum de nós de fato esqueceu o quão amigavelmente nós fomos acolhidos nas cidades britânicas Folkstone e Dover há dois anos atrás, na época do congresso de Boulogne-sur-Mer.

O salão no qual nós nos encontramos já teve muitas reuniões muito importantes, e aqui já foram acolhidos um grande número de hóspedes muito importantes. Agora este mesmo salão acolhe os representantes do mundo esperantista vindos de todos os países.

Quem são esses novos hóspedes ? Qual é o assunto que eles representam ? O Esperantismo tem como finalidade o recíproco entendimento e em conseqüência também a estima e amor entre todos os povos e nações. Mas esse objetivo é sempre mal comentado, e sob a influência da agitação de diversos inimigos nossos sempre somos culpados a respeito dos objetivos que nós sempre ouvimos. De diversos descontentes nós sempre ouvimos que a questão da língua internacional deve ser resolvida de outra melhor maneira, mas que nós somos obstinados que querem a-p-e-n-a-s o Esperanto. Em muitas vezes eu repeti e em Boulogne-sur-Mer eu proclamei isto por meio de uma declaração oficial, de que o esperantismo objetiva apenas que algum tipo de instrumento de compreensão entre os povos que seja útil e que possa viver exista, mas que a forma desse instrumento é para nós - ou ao menos para mim pessoalmente - totalmente indiferente; que se, ao invés de fazer constantes e infinitos experimentos e raciocínio teórico, nós decidimos a pronta e testada língua Esperanto e trabalhar especial e exclusivamente por ela, e fixar para ela um fundamento intocável - nós fizemos isto não porque agrada especialmente a Zamenhof e sua obra, nem porque ele que ser algum tipo de papa como vários dos nossos opositores fazem acreditar - mas apenas porque a pesquisa e a experiência nos mostraram que tal maneira de ação é a única que mais certamente nos conduzirá ao nosso objetivo. Existem pessoas que, se esforçando em nos desviar de nosso caminho, têm a melhor e mais honesta intenção; eles são muito dedicados ao nosso assunto, mas eles pensam que se nós fizermos as melhorias que cada um deles propõe o nosso assunto irá muito melhor. Sobre essas pessoas nós estamos convencidos de que mais cedo ou mais tarde eles entenderão o seu erro; eles entenderão o quão perigosas são suas propostas no tempo atual, quando antes de tudo nós precisamos da mais severa unidade, e eles pacientemente trabalharão conosco conforme o caminho eleito até esse tempo, quando o futuro de nosso assunto estará absolutamente fora de perigo. Mas existem outras pessoas que trabalham simplesmente para destruir; a esses senhores, os quais nossa tão bela crescida árvore não deixa dormir e através de todas as forças se esforçam em miná-la, nós dizemos: se vocês têm outro caminho que pode nos conduzir ao nosso objetivo melhor e mais certamente, mostre-o a nós e nós o seguiremos. Mas vocês sabem que vocês propõem não algo pronto e certo, mas apenas suposições e opiniões teóricas; vocês sabem que a aceitação de vossa melhoria muito duvidosa e que em breve, por sua vez, será criticada, arruinaria o trabalho de um empreendimento com vinte anos de disciplina e de sucesso feito por milhares de pessoas, e nada criaria em substituição a ele; vocês sabem que, se nós nos desviássemos de nosso caminho disciplinado e deixássemos o Esperanto cair, então a confiança do mundo na idéia de uma língua mundial, confiança por fim adquirida após centenas e milhares de feitos de incredulidade, pereceria para sempre e nunca mais poderia ser readquirida; vocês sabem disso e, no entanto, vocês por meio de todas as forças se empenham em nos desacreditar aos olhos do mundo ... Pois bem, continuem então o seu trabalho hercúleo, e nós iremos tranqüilamente no nosso caminho.

A segunda acusação que nós sempre devemos ouvir é a de que nós esperantistas somos maus patriotas. Como esses esperantistas que tratam o esperantismo como idéia, pregam justiça recíproca e fraternidade entre os povos, e como segundo a opinião dos chauvinistas nacionais o patriotismo consiste no ódio contra tudo o que não é nosso, portanto nós de acordo com a opinião deles somos maus patriotas, e eles dizem que os esperantistas não amam a sua pátria. Contra essa mentira, acusação vil e caluniosa, nós protestamos o mais energicamente, nós protestamos com todas as fibras do nosso coração ! Enquanto o pseudo-patriotismo - isto é, o chauvinismo nacional - é uma parte do ódio comum que destrói tudo no mundo, o verdadeiro patriotismo é uma parte desse grande amor em todo o mundo que tudo constrói, conserva e dá felicidade. O esperantismo, o qual prega o amor, e o patriotismo, o qual também prega o amor, nunca podem ser inimigos entre si. Cada um pode nos falar sobre amos de cada espécie, e nós com agradecimento o escutamos; mas quando nos falam sobre amor à pátria os chauvinistas, esses representantes do ódio abominável, esses demônios sem luz que não somente entre os países mas também em sua própria pátria constantemente empurram pessoa contra pessoa - então nós com a maior indignação nos esquivamos. Vocês, obscuros semeadores da guerra, devem falar apenas sobre ódio a tudo que não é vosso, devem falar sobre egoísmo, mas nunca usem a palavra "amor", pois em vossas bocas a santa palavra "amor" se suja.

Você se ergue agora diante dos meus olhos, minha querida Lituânia, minha infeliz pátria, a qual eu nunca posso esquecer, apesar de ter te deixado quando era um jovem garoto. Você, que eu vejo sempre nos meus sonhos, você, a qual nenhuma outra parte da terra pode substituir no meu coração, você deve testemunhar sobre quem te ama com mais força, com mais coração com mais sinceridade: ou seria eu, esperantista ideal que sonhou com a fraternidade entre todos os seus habitantes, ainda que eu tivesse infelizmente de te deixar assim como muitas centenas de milhares de outros filhos teus - ou seriam essas pessoas que desejam que você pertença apenas a eles e todos os outros filhos teus sejam vistos como estrangeiros ou escravos ! Oh patriotismo, patriotismo, quando é que finalmente os homens aprenderão a entender exatamente o seu sentido ! Quando é que seu santo nome cessará de ser uma arma nas mãos de várias pessoas desonestas ! Quando finalmente cada pessoa receberá o direito e a possibilidade de se aderir com todo seu coração a esse pedaço de terra que o gerou.

Durará ainda muito tempo a noite sombria sobre a terra, mas ela não durará eternamente. Virá um dia o tempo em que os homens cessarão de ser lobos uns contra os outros. Ao invés de constantemente batalharem entre si, despedaçar a pátria uns aos outros, imporem violentamente suas línguas e morais reciprocamente, eles viverão entre si pacífica e fraternamente, em pleno consentimento mútuo eles trabalharão sobre a terra na qual eles vivem e contra todas essas cruéis forças da natureza, todas as quais eles igualmente atacam. E conjuntamente e em consentimento mútuo eles todos objetivarão a uma verdade, a uma felicidade. E se um dia virá esse tempo feliz, ele será o fruto do trabalho constante e incansável dessas pessoas que nós vemos agora neste salão e cujos nomes, ainda muito pouco conhecidos e apreciados, são "esperantistas".

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O discurso de L. L. Zamenhof na abertura do Quarto Congresso Esperantista em Dresden em 17 de Agosto de 1908.

Senhoras e senhores ! - Aparecendo diante de vocês como tradicional inciador dos congressos esperantistas, eu me permito antes de tudo expressar o mais respeitável agradecimento do nosso congresso à Sua Majestade Real o Rei Frederico Augusto da Saxônia pela grande honra que eles fez para nós assumindo a alta proteção do nosso quarto congresso. Eu expresso também o profundo agradecimento de nosso congresso aos senhores Ministros e outras pessoas eminentes que de boa vontade entraram na presidência e no comitê honorários de nosso congresso. Eu expresso também o nosso agradecimento a esses países que enviaram delegados oficiais ao nosso congresso, e aos cônsules de outras nações que nos honraram por meio da representação de seus países na nossa reunião de abertura. Agora pela primeira vez o nosso congresso aparece sob a sanção oficial do líder do reino e autoridades; eu estou certo de que os esperantistas avaliarão grandemente a importância deste fato; eu espero que ele seja o começo desse novo tempo, quando a nossa idéia deixará de ser um esforço apenas de pessoas comuns, mas ela se tornará uma tarefa importante para as autoridades do mundo.

Em nome do quarto congresso mundial esperantista eu saúdo a nação alemã, cujos hóspedes nós todos somos no momento atual; principalmente eu saúdo o reino saxônico, que para nós, filhos dos mais diversos países e povos, organizou uma bela acolhida em seu próprio centro, em sua famosa capital cultural. Eu expresso o nosso agradecimento de coração às autoridades saxônicas e principalmente às autoridades da cidade de Dresden por toda a ajuda que eles deram ao nosso congresso, e pela saudação que eles fizeram chegar até a nós através de seus estimados representantes.

Por fim, eu expresso, certamente em nome de todos os esperantistas, nosso agradecimento camarada de coração aos nossos coidealistas alemães e, sobretudo, ao nosso Quatro para o Quarto, que assumiu a difícil tarefa de organizar nosso congresso justamente neste ano em que existiram tantos empecilhos, e que graças à sua dedicação organizou tudo na melhor maneira e escreveu com isso uma página muito importante na história do nosso assunto.

Alemanha, o país dos filósofos e poetas que um dia foi o centro dos humanistas, tem para a nossa idéia um significado especial já que neste país, graças ao inesquecível grande mérito do padre Johann Martin Schleyer, nossa idéia recebeu seu primeiro desenvolvimento e o primeiro empurrão poderoso para frente. Por conseguinte a Alemanha é o berço da idéia de um língua internacional. Nós, especialmente esperantistas, tivemos também na Alemanha nossos primeiros mais importantes batalhadores, Einstein e Trompeter. É verdade que depois no decorrer de um tempo muito longo nossa idéia nesta nação parecia totalmente morta; mas nos últimos anos ela novamente se reavivou vigorosamente aqui, e nós temos a plena esperança de que, após nosso atual congresso, quando os alemães nos conhecerão mais de perto e se convencerão com seus próprios olhos e ouvidos que nós não somos certos fantasiadores teóricos, nosso assunto aqui florescerá com não menos poder do que em outras grandes nações, e no assunto comum de cada pessoa a Alemanha em breve ocupará um dos mais honrados lugares.

Caros coidealistas ! - No decorrer do último ano, no nosso assunto ocorreram fatos que inquietaram por pouco tempo o mundo esperantista. Já agora tudo novamente se tranqüilizou. Nossa árvore, sobre a qual eu falei em Cambridge, no ano passado da forma mais convincente mostrou sua completa força e saúde, pois apesar dos ataques totalmente inesperados que no passar de algum tempo causou uma grande rachadura, a árvore conservou todo o seu poder e perdeu apenas muito poucas folhas. Apesar dos ataques preparados secretamente e cumpridos rapidamente que não deram aos nossos soldados o poder de se orientar e se comunicar decentemente, cada um deles em seu próprio lugar se erguer com força contra todas as seduções, e apenas muito poucos se deixaram capturar pelas ágeis palavras. Por cima dos fatos ocorridos nós logo poderíamos silenciosamente passar à ordem do dia. No entanto, para guardar nossos futuros batalhadores contra surpresas semelhantes, eu me permitirei dizer algumas palavras sobre esse tema.

Do tempo passado nós devemos tirar um ensinamento para o tempo futuro. Já se passaram exatamente trinta anos desde o momento em que o Esperanto pela primeira vez apareceu ante a uma pequena roda de amigos; já se passaram vinte e um anos desde o momento em que o Esperanto pela primeira vez apareceu em público para o mundo. Muito fraco ele era no primeiro estágio; toda menor brisa podia lhe derrubar e matar. Toda boa palavra da pessoa mais insignificante ou da revista mais sem valor deu aos nossos pioneiros a esperança e a coragem; toda palavra de ataque causou-lhes uma dor.

Quando há vinte anos atrás a Sociedade Americana de Filosofia quis tomar o assunto de uma língua internacional em suas mãos, isso era para o autor do Esperanto uma autoridade de tal modo altíssima e inatingível que ele, que então ainda tinha o direito de dispor sobre o Esperanto, logo decidiu abandonar tudo nas mãos dessa sociedade, pois, sendo completamente inexperiente, ele então ainda não sabia quão enorme diferença existe entre a teoria e a prática.

Felizmente a empreitada da Sociedade Americana não teve sucesso. Eu uso a palavra "felizmente", pois agora sim, que eu estou mais experiente, para mim é algo sem sobra de dúvida que, se a empreitada desses teóricos durasse um pouco mais, a inteira idéia de língua internacional já há muito estaria totalmente desacreditada e enterrada para sempre, ou no mínimo por um tempo longo, muito longo.

Nossos pioneiros trabalharam, e o assunto cresceu. Em breve nós sempre mais e mais adquirimos a convicção que da parte dos teóricos nós devemos esperar muito poucas coisas boas para o nosso assunto; que todos os elogios e desprezos de pessoas alheias têm para nós apenas um significado pequeno; que nós devemos confiar apenas em nossas próprias forças, nossa própria paciência e constância; que o mundo virá a nós apenas quando ele enxergar um potencial em nós, quando ele notar que não nos apoiamos no escuro, não perdemos hoje o que adquirimos ontem, nosso caminho é claro e reto e que dele nunca nos desviamos.

Mas não apenas de uma vez nós viemos a essa sólida convicção. No primeiro momento, vendo que nosso assunto progredia muito devagar e dificilmente, muitos esperantistas pensaram que a causa disso repousa em nossa própria língua, que se nós apenas mudarmos esse ou aquele detalhe, o mundo logo virá até a nós em grande quantidade.

Então veio o período da grande exigência de reformas. Felizmente esse período não durou muito. Os esperantistas logo se convenceram que chegar a algum tipo de consentimento comum, que agrade e silencie a todos sobre a essência das reformas é completamente impossível, e o mundo externo, a quem os reformadores objetivavam, permaneceu absolutamente indiferente no que concerne a possibilidade de que esse ou aquele detalhe tem em nossa língua um tipo ou outro de forma; logo a gente se convenceu de que através de uma reforma nós apenas perderemos tudo que até agora foi adquirido e ganharemos absolutamente nada. Então os esperantistas firmemente decidiram não falar mais sobre tipos de reformas. Alguns poucos descontentes largaram o Esperanto e juntamente com outros não-esperantistas, que se olhavam como os mais competentes no assunto de língua internacional, começaram entre si, e até agora ainda não terminada e que nunca terminará, discussão sobre diversos detalhes lingüísticos, e eles permanecem agora no mesmo ponto no qual eles estavam há quatorze anos atrás. Todo o restante dos esperantistas em plena harmonia fortemente se agrupou em torno de seu constante estandarte e fez desde esse tempo uma grande, grandíssima marcha em diante.

Desde o tempo em que os esperantistas pararam de falar sobre reformas, se iniciou para o Esperanto um período sempre mais e mais brilhante. No começo, sob a pressão de obstáculos externos muito grandes, nós progredimos com muita lentidão e dificuldade. Mas sob a influência de nossa plena harmonia interna e nossa ida diretamente adiante sem se desviar, nossas forças sempre mais e mais cresceram. Agora nós atingimos tal potência, sobre a qual muitos de nós há dez anos atrás não tínhamos coragem nem mesmo de sonhar, e se nós marcharmos nessa mesma harmonia como até agora, força nenhuma no mundo poderá deter a nossa ida, e nós plenamente atingiremos o nosso objetivo. A cada hora cresce o número de nossos partidários, diariamente aumenta o número de nossos grupos. Nossa literatura de tal modo cresce sem parar e rapidamente que muitas pequenas nações agora já podem nos invejar. O uso prático de nossa língua se torna sempre cada vez maior.

Enquanto, há não muito tempo atrás, outros ainda estavam totalmente em silêncio sobre nós e depois caçoaram de nós, agora nós já somos respeitados em todo lugar como uma grande potência. Até mesmo aqueles principais adversários nossos, que há não muito tempo atrás pejorativamente nos olhavam de modo eminente, agora já berram um alarme.

Nossa língua mesmo se torna mais rica e mais elástica constantemente. Pouco a pouco constantemente aparecem novas palavras e formas, umas se consolidam, outras deixam de ser usadas. Tudo se consuma quieta, inabalável e até mesmo desapercebidamente. Em lugar nenhum se mostra alguma diferenciação de nossa língua segundo as diferentes nações, e quanto mais experiente se tornam os autores, tanto mais reciprocamente se assemelham seus usos de nossa língua, apesar da grande distância entre seus locais de habitação. Em nenhum lugar se rompe ou se danifica a continuidade entre a língua antiga e a nova, e apesar do fato de que nossa língua se desenvolve fortemente, cada novo esperantista lê as obras de vinte anos atrás com a mesma perfeita facilidade de tal qualidade como o esperantista daquele tempo, e ele nem mesmo nota que tais obras não foram escritas agora, mas sim no primeiro período de nossa língua, então recém-nascida.

Nosso assunto vai para frente regular e tranqüilamente. A época dos julgamentos teóricos e do curvamento diante de aparentes autoridades já há muito passou. Se alguém agora expressa a sua opinião ou conselho sobre o Esperanto, já não se pergunta se ele é uma pessoa de grande fama ou não, - apenas se pergunta, se seus conselhos estão de acordo com as necessidades naturais e com o caminhar natural de nossa língua ou não.

Se alguma pessoa de nome glorioso na plena ignorância de nosso assunto exprime alguma dessas coisas sem sentido que nós já ouvimos tão freqüentemente, por exemplo, que uma língua artificial é utopia, que os esperantistas não se entendem reciprocamente, etc., ou se ele, esquecendo do atual estado do Esperanto e o terrível exemplo da academia de Volapuque, exige que nós cozinhemos a língua inteira segundo a sua receita teórica, - então nós, esperantistas, escutamos a tudo com indiferença e vamos pelo nosso caminho tranqüilamente.

Não para me orgulhar de nossa força eu digo tudo isto: nenhum de nós tem o direito de estar orgulhoso, pois a nossa força não é o mérito de algum de nós em especial, ela é o resultado de um esforço paciente de muitos anos feito por muitas pessoas. Eu quis apenas lhes chamar a atenção de que, no nosso assunto, tudo pode ser atingido apenas por harmonia e constância. Se uma constância de ferro não nos guiasse, nossa língua já há muito tempo não existiria, e as palavras "língua internacional" seriam apenas as coisas mais ridicularizadas pelo mundo.

A longa e difícil batalha nos deu resistência, e não só as vozes de pessoas específicas, mas até mesmo a pressão de alguma grande potência agora já não poderia desviar o grupo dos esperantistas de seu claro e reto caminho. Qual então é a causa de que, no ano passado, nasceu subitamente em nosso acampamento tal grande vento que no decorrer de um momento ameaçou levar até nós tanto mal ? Quem é essa aparentemente grandíssima força que por um momento trouxe tal inesperada confusão para o nosso meio ? Agora, quando tudo já se esclareceu, nós podemos confessar que ela não era algum tipo de potência extraordinariamente grande, ela era simplesmente um grupo de algumas poucas pessoas; mas a periculosidade do ataque deles consistia em que esse ataque não veio abertamente de fora, mas ele foi secretamente preparado e executado de forma completamente inesperada dentro de nosso acampamento.

Ela é uma história sobre a qual eu não quero falar. Agora eu quero dizer o seguinte: nós todos somos representantes da idéia da língua internacional, façamos com ela o que nós quisermos, mas ajamos honestamente e lembremos que pelas nossas ações a posteridade nos julgará severamente. Lembremos que o Esperanto é propriedade de ninguém, que os esperantistas têm o pleno direito de fazer com ela tudo o que eles quiserem, se eles apenas o fizerem com cautela, lealmente e de mútuo consentimento. Apenas para guardar nossa língua da anarquia da parte de pessoas específicas, nossa língua tem seu Comitê Lingüístico eleito o mais imparcialmente e que consiste e consistirá das mais competentes pessoas, o qual, dependendo de mestre nenhum, tem o pleno direito e pleno poder de pesquisar e apresentar à sanção do conjunto de esperantistas tudo o que quiser. A Declaração de Boulogne-sur-Mer impede apenas que pessoas específicas rompam a língua arbitrariamente, ela foi criada apenas para guardar a extremamente necessária continuidade em nossa língua. Se algum de vocês acha que devemos fazer isso ou aquilo, apresente o seu desejo ao Comitê Lingüístico. Se esse Comitê lhe parecer conservador demais, então se lembre de que ele existe não para satisfação de vários caprichos pessoais, mas para a vigilância dos interesses de todo o conjunto de esperantistas; que é melhor que o Comitê faça pouco demais do que ingenuamente dê algum passo que poderia ser inútil a todo o nosso assunto. Já que vocês todos confessam que a essência de nossa língua é correta e a gente pode disputar apenas detalhes, então tudo de bom e de efetivamente necessário pode facilmente ser feito nela pelo caminho leal, em harmonia e paz.

As pessoas que querem impor seus desejos a todo o conjunto de esperantistas dizem geralmente que eles têm as melhores idéias, as quais a maioria dos esperantistas certamente aprovaria, mas alguns líderes não querem lhes escutar e não lhes permitem apresentar suas idéias para a investigação. Isso não é verdadeiro. Vocês sabem que, conforme a nova ordem que nosso Comitê Lingüístico aceitou para si por meio de eleição comum, cada pessoa não somente tem o direito de apresentar ao Comitê suas propostas, mas se a proposta tem até mesmo o menor aspecto de seriosidade apenas, se entre os cem membros do Comitê a proposta obteve para si até mesmo a aprovação de apenas cinco pessoas, isso já é suficiente para que o Comitê Lingüístico seja obrigado a pesquisar essa proposta. Vocês vêem em seguida que ninguém pode reclamar que a gente não lhe dá ouvidos ou que alguns líderes apresentam à votação apenas aquilo que ele deseja.

Se alguém diz para vocês que se deve romper tudo cruelmente, se por meio de todas as forças e de todos os recursos possíveis alguns penam em lhes aborrecer; se alguns trabalham duro para lhes seduzir para fora do caminho da severa unidade, desse único caminho que pode nos conduzir ao nosso objetivo, - então zelem por vocês! Então saibam que isso conduz à desorganização de tudo o que muitos milhares de pessoas obtiveram para a grande idéia de todo o homem por meio de um trabalho paciente e de muitos anos.

Eu terminei. Desculpem-me pelo tema desagradável que eu escolhi. É a primeira e com esperança também a última vez na história dos nossos congressos. E agora esqueçamos de tudo; comecemos a grande festa, para a qual nós todos nos reunimos desde várias nações do mundo; passemos com regozijo a nossa grande anual semana da festa puramente da humanidade. Lembremos de que nossos congressos são um prefácio exercitante e educador para a história da futura humanidade confraternizada. Para nós são importantes não alguns míseros detalhes externos de nossa língua, mas sua essência, sua idéia e objetivo, portanto nós antes de tudo devemos zelar por sua vivência ininterrupta, por seu crescimento sem parar. Grande é a diferença entre a pessoa criança e a pessoa adulta; grande talvez será a diferença entre o atual Esperanto e o evoluído Esperanto de muitos séculos depois; mas graças à nossa vigilância diligente, a língua solidamente viverá, apesar de todos os ultrajes, sua essência se fortalecerá, seu objetivo será atingido, e nossos netos bendirão a nossa paciência.

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O discurso de L. L. Zamenhof na abertura do Quinto Congresso Esperantista em Barcelona em 6 de Setembro de 1909.

Caros coidealistas e amigos ! - A cada vez que se inicia um novo ano entre congressos, cada esperantista que prevê para si um pouco de tempo livre e pode poupar um pouco de dinheiro começa a se preparar para o futuro congresso esperantista, para a próxima grande festa comum do povo esperantista.

Amigos, ligados pela mesma idéia, pelas mesmas aspirações e esperanças, disseram reciprocamente a si de coração partido "até a vista", e com regozijo eles esperam esse fato. Como irmãos que se gostam mutuamente, que apenas de tempo em tempo podem se reunir na casa de seus pais, assim os esperantistas com saudade esperam esse momento, quando eles poderão se encontrar no centro do mundo do Esperanto, com amor se saudar reciprocamente, calorosamente apertar as mãos e dizer uns aos outros: "nós vivemos, nós honestamente trabalhamos no decorrer do ano, nós zelamos honestamente pela honra de nossa casa, nós podemos com consciência limpa participar da festa comum de nossa família".

Mas enquanto cada um de vocês se preparou para a nossa festa comum com o coração totalmente alegre, eu fiz o mesmo sempre com o coração algo pesado, pois em nossos congressos a sorte me deu um papel, ainda que muito lisôngeo, no entanto ao mesmo tempo muito carregado também: eu sou obrigado a aceitar honras que não pertencem a mim. Com ou sem razão o mundo vê em mim sempre o representante natural do corpo de membros esperantistas, o símbolo do esperantismo, da lealdade e unidade esperantista; e já que as pessoas não podem expressar seus sentimentos a algo abstrato, então todas as expressões de simpatia e entusiasmo para com o esperantismo se direcionam ao meu endereço.

Entretanto existem pessoas que não entendem ou não querem entender isso; eles invejam a bandeira por causa das honras que são feitas à ela; eles vêem em mim uma pessoa a qual está como que fazendo o papel de alguma espécie de rei. Eis aqui a causa por causa da qual eu sempre com o coração pesado viajo aos nossos congressos. Fortemente, muito fortemente eu gostaria de repelir meu papel atormentador demais para mim, e ficar não diante de vocês, mas entre vocês; mas a coisa não depende da minha vontade, ela depende de várias circunstâncias, ante as quais eu devo me submeter caso eu não queira ser inútil ao nosso movimento. Portanto também hoje eu fico diante de vocês como um símbolo do vosso assunto e de vossa unidade, como vosso concreto representante; eu aceito tudo o que está destinado para vocês, e eu fielmente repasso tudo a você, povo esperantista.

Neste meu papel de vosso representante, eu antes de tudo lhes chamo a atenção para a grande honra que nos fez Sua Majestade Real o Rei Alfonso XIII, afavelmente aceitando a presidência honorária de nosso congresso. Eu expresso em vosso nome o nosso mais respeitável agradecimento à Sua Majestade Real. Vida longa ao Rei Alfonso XIII !

Eu lhes chamo a atenção pela grande simpatia que mostraram ao nosso assunto os chefes dessa nação na qual nós agora nos achamos; não somente todos os ministros assumiram ser patronos de nosso congresso, mas os chefes da nação em seu próprio nome por meio de seus embaixadores oficialmente convidaram os chefes de outras nações para que eles enviassem delegados ao nosso congresso. Por este grande e muito importante serviço eu expresso em vosso nome o mais caloroso agradecimento aos chefes do reino espanhol.

Vocês sabem quão enérgica e cuidadosamente o comitê organizador local trabalhou para uma preparação belíssima e mais portadora de frutos do nosso atual congresso. Vocês sabem que eles não perderam a coragem, mesmo apesar dos infelizes acontecimentos em Barcelona que obrigou cada um de nós a pensar que o congresso em Barcelona é já absolutamente impossível de se fazer. Uma parte do que o comitê fez vocês já viram, a outra parte vocês verão durante o congresso mesmo e nos dias após o congresso. Para este comitê que muito trabalhou, e principalmente ao seu querido presidente, eu expresso em nome de todos nós o nosso maior agradecimento de coração.

Vocês viram que acolhida extraordinariamente honrosa e cheia de simpatia a cidade de Barcelona preparou para nós. Vocês sabem que apenas circunstâncias especiais e imprevistas atrapalharam a cidade de mostrar, com pleno entusiasmo e em sua plena amplitude, a sua grande estima, a sua mais viva simpatia a você, povo esperantista, ao seu esforço e trabalho, ao seu objetivo e esperanças. Em vosso nome eu exprimo à cidade o nosso mais profundo e sincero agradecimento.

Nos congressos até agora eu tinha algo para dizer a vocês, portanto na abertura do congresso eu falava longamente; hoje eu tenho nada de importante para dizer, por isso eu falarei bem pouco. Vocês sabem como é o nosso objetivo; vocês sabem como é o único caminho pelo qual nós podemos atingir esse objetivo; marchemos então adiante disciplinada e harmonicamente.

Caso nós nos perguntarmos o que nós fizemos no recém terminado ano entre congressos, nós poderemos responder: "Nós vivemos com saúde, nós crescemos, nós nos fortalecemos em todos os sentidos". Que grande significado isso tem, a isso podem entender apenas aqueles que entendem a completa importância e dificuldade de nosso assunto e que trabalharam de fato por ele. Como nos anos passados, assim também no ano recém terminado, muitos de vocês trabalharam por nosso assunto comum com grande fervor e dedicação; a eles o conjunto de esperantistas expressa seu agradecimento de coração. Mas durante o Congresso nós não somente contaremos mutuamente a nós sobre os trabalhos feitos, nós deveremos cumprir também alguns trabalhos em comum que exigem aconselhamento comum entre si e consentimento.

Comecemos em uma feliz hora os nossos trabalhos e festas do congresso, para os primeiros esforcemo-nos em dar o melhor sucesso, dos segundos tiremos a coragem e a força para os trabalhos do ano que virá.

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O discurso de L. L. Zamenhof no Quinto Congresso Esperantista na Reunião de Abertura da UEA em Barcelona em 1909.

Estimados membros da U.E.A. - Senhor Mudie, seu presidente, pediu que eu dissesse na vossa reunião algumas palavras de elogio ou crítica, a resposta não pode ser duvidosa: após as tão boas e importantes notícias que foram lidas, após a ação que no decorrer do último ano foi cumprida pela U.E.A., não pode ficar nem mesmo a menor dúvida de que, deixando de lado as instituições oficiais, U.E.A. se torna a mais importante instituição de nosso movimento e ela trará a nós mais e mais utilidade.

Há cinco anos atrás, no Congresso de Boulogne-sur-Mer, foi apresentado um projeto de organização geral para todo o conjunto de esperantistas. O Congresso então não queria esse projeto e por meio de uma declaração definiu que é chamado de esperantista toda a pessoa que sabe e usa o Esperanto em completa igualdade para quaisquer objetivos, e que nosso movimento não está oficialmente ligado com algum tipo de ideal especial, ainda que a maioria dos esperantistas de fato sentisse esse ideal e fosse constantemente guiado por ele. Mas alguns esperantistas tiveram a boa idéia de fazer por um caminho particular isso que oficialmente nós não podíamos fazer. Eles uniram não todos esperantistas, mas apenas essas pessoas que aceitaram a organização interna para se servir e se aproximar reciprocamente, pois eles pensam que, dessa maneira, mais e mais se multiplicarão entre si os laços de solidariedade e seu objetivo será atingido mais rapidamente do que por meio de ação isolada.

U.E.A. une então não todos os esperantistas, mas todos os partidários do esperantismo, isto é, todas essas pessoas que consideram não apenas o Esperanto em sua forma externa de língua, mas também sua idéia interna. Que a maior parte do conjunto dos esperantistas está de acordo com esta idéia prova o fato de que em pouco tempo vossa Associação recebeu a mais favorável aceitação em nosso movimento. Em todo lugar se entende que a U.E.A. fornece um conveniente fundamento neutro para todas as relações e serviços entre as pessoas, e desta recíproca ajuda mútua resultará mais amizade e estima entre os povos e retirada das barreiras que atrapalham sua pacífica comunicação. Neste princípio repousa a principal importância de vossa Associação.

Enquanto o grupo oficial de esperantistas, conforme a declaração de Boulogne-sur-Mer, é obrigada à plena neutralidade em relação a isso e deve se limitar apenas aos questionamentos puramente do Esperanto, U.E.A., porque ela representa apenas pessoas que desejam estar organizadas por causa de um objetivo definido aprovado por eles, pode fazer um importante trabalho que terá um grande significado em relação à idéia interna do esperantismo.

Eu então estou plenamente convencido da utilidade de vossa Associação e a característica de esperantismo do trabalho o qual ela já cumpriu e também cumprirá. Eu por fim sinto o dever de parabenizar e agradecer aos dedicados fundadores da U.E.A., os quais por ser trabalho e esforço obstinado puderam conduzir essa instituição para o bom caminho onde ela agora permanece. Eu espero de vossa Associação muita coisa boa para o nosso assunto, e eu tenho a esperança de todo o coração que a U.E.A. fará sempre os mais importantes progressos e por meio de seu rápido fortalecimento nos moverá adiante para a breve realização do esperantismo.

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O discurso de L. L. Zamenhof na abertura do Sexto Congresso Esperantista em Washington em 15 de Agosto de 1910.

Terra da liberdade, terra do futuro, eu lhe saúdo ! Terra sobre a qual sonharam e ainda agora sonham muitos sofredores e perseguidos inocentes, eu lhe saúdo ! Reino de pessoas que não pertencem a essa ou aquela etnia ou religião mas a todos os seus honestos filhos, eu me inclino diante de ti, e eu sou feliz por que a sorte me permitiu lhe ver e respirar ao menos por algum tempo o seu ar livre e e monopolizado por ninguém.

Saudação a você, Estados Unidos, representante mais poderoso do novo mundo. Nós, filhos antigo e idoso continente, viemos até você como hóspedes; mas não foi o turismo ávido por ver que nos botou em um navio, nem a esperança de alguma vantagem comercial nos impeliu à sua margem; nós viemos até você para te trazer um novo sentimento e uma nova idéia, nós viemos para trazer uma nova coragem a esses nossos coidealistas e parceiros de ideal, que até agora trabalharam no seu meio e cujas palavras sobre algum tipo de novo povo talvez lhe parecessem fabulosas demais. Um pedaço desse povo de várias origens e, entretanto, unido de língua e de coração está diante de você de forma real e vivente. Observe-nos, escute-nos e se convença de que nós não somos uma fábula. Nós somos membros de vários povos, e, no entanto, nós nos sentimos como membros do mesmo povo, pois nós nos entendemos como membros do mesmo povo, tendo nenhum tipo de necessidade de humilhar ou de fazer balbuciar em língua estrangeira um ao outro. Nós esperamos que graças ao nosso trabalho mais cedo ou mais tarde o mundo inteiro se assemelhará a nós e se tornará um grande povo humano, consistindo de várias famílias, internamente de língua e moral específicas, mas externamente de língua e moral iguais. Para esse nosso trabalho, que objetiva criar pouco a pouco uma humanidade unida, em seguida fortalecida e engrandecida na sua essência, nós agora lhes convidamos, filhos dos Estados Unidos. E nós esperamos que o nosso chamado não seja em vão, mas ele em breve ressoará ecoadamente em todos os cantos de vosso país e ao longo de todo o vosso continente.

Apenas muito poucos dentre nós pudemos vir em vosso país, pois nós esperantistas não somos pessoas ricas; de nosso atual congresso nós em conseqüência não podemos esperar importantes decisões que teriam um significado para todo o conjunto de esperantistas. Nós viemos até vocês, Norte-americanos, principalmente para passar em seu meio e diante de vossos olhos uma semana de nossa vida esperantista, para mostrar a vocês ao menos um pequeno pedaço dessa vida, para trazer a vocês uma semente; e nós esperamos que, após nossa saída, essa semente poderosamente germinará e crescerá, e no vosso país nosso assunto em breve terá seus anunciadores mais fervorosos e importantes.

Na vossa nação, coidealistas Norte-americanos, nosso assunto é ainda jovem demais, e muitos de vocês não elaboraram para si ainda um julgamento muito claro sobre ele; por isso, permitam que eu ao menos explorar diante de vocês o caminho no qual nós vamos.

O que objetiva o movimento esperantista ? Ele objetiva chegar a um entendimento recíproco entre todas as pessoas e povos. Para quê nós precisamos de tal entendimento recíproco ? Quais são as conseqüências que nós esperamos dele ? Porque nós desejamos que ele seja necessariamente sobre um fundamento neutro ? Porque nós com tal persistência trabalhamos por ele ? Qual é a espécie da essência que entrelaça a todos nós ? Sobre tudo isso eu já falei muito, e eu não quero agora repetir minhas palavras, ainda mais que cada um de vocês mesmos após um pouco de reflexão facilmente encontrarão as respostas. Diante de vocês, americanos práticos, eu quero analisar outra questão, que é: nós com nosso trabalho estamos num caminho totalmente certo, ou nós podemos temer que um dia todo o nosso trabalho se mostrará vão ? Apenas a plena consciência sobre o caminho a ser percorrido dá aos caminhantes a energia suficiente para batalhar contra todas as dificuldades que se encontram no caminho.

O objetivo para o qual nós trabalhamos pode ser alcançado por dois caminhos: ou pelo trabalho de pessoas em particular, isto é, de massas de pessoas, ou pelo decreto de chefes de governo. É mais possível de acreditar que o nosso assunto será alcançado pela primeira via, pois até a esse tipo de assunto, como o nosso, os chefes de governo vêm com sua sanção e ajuda habitualmente apenas quando tudo já está quase completamente pronto. De qual espécie deve ser a característica do primeiro caminho, sobre isso ninguém pode duvidar; sobre um assunto, cuja inteira essência e vida são baseadas no consentimento mútuo, cada um entende muito bem que o trabalho das massas pode lhe conduzir ao objetivo apenas quando todos trabalham em uma só alma. Nesse assunto, caso ele por si mesmo se mostrou capaz de viver, a concórdia é a mais certa garantia do indubitável sucesso, discórdia significa a morte. Os nossos coidealistas entendem isso muito bem, e assim eles com indignação desprezam tudo o que quer desencaminhá-los do caminho comum. Mas algumas vezes na cabeça desse ou de outro coidealista aparece a questão: qual será a conseqüência, caso algum tipo de grande força quiser um dia assumir a solução do problema da língua internacional, força contra a qual nós todos estamos sem forças demais, por exemplo os governantes do mundo ? Nós devemos temer que eles talvez escolham outra solução do que a que nós escolhemos, e dessa maneira todo o nosso trabalho se tornará vão ?

Para achar uma clara resposta a essa pergunta, imaginemos que os governantes do mundo ou alguns outros tipos de grandes e influentes potências ergueram um comitê com autoridade, que deve decidir qual língua deve se tornar internacional No artigo "Essência e Futuro" ("Esenco kaj Estonteco"), o qual muitos de vocês leram na "Coletânea Fundamental" ("Fundamenta Krestomatio"), eu analisei essa questão detalhadamente, e mostrei com total clareza isso sobre o qual no tempo atual já nenhum pesquisador duvida, a saber, que o tal comitê, do qual eu falei, de modo nenhum poderia escolher alguma língua nacional, nem alguma língua morta, nem alguma língua com dicionário plenamente inventado, mas ele deveria necessariamente escolher apenas ou o Esperanto na sua forma atual ou o Esperanto um pouco modificado. Se o comitê, contra todas as exigências da prudência, quisesse tomar alguma outra decisão, restaria apenas uma decisão no papel e absolutamente sem valor. Agora nós devemos observar qual é a única maneira na qual o comitê poderia resolver a última alternativa.

É mais natural e provável que os membros do comitê farão uma resolução simplesmente na seguinte maneira: "Existe uma língua artificial que se mostrou totalmente capaz de viver, funciona otimamente, se sustenta otimamente já faz muitos anos, criou uma grande literatura, elaborou sua essência e vida, etc.; logo, ao invés de fazer novos experimentos totalmente sem necessidade e objetivo, nós simplesmente devemos aceitar isso que já existe; demos a ela o apoio formal dos governantes que nós representamos, e então todo o eterno problema será logo plenamente resolvido, e a partir de amanhã toda a humanidade civilizada se entenderá reciprocamente".

Desse tipo, eu repito, é a decisão mais natural que nós podemos esperar do comitê a ser escolhido pelos governantes. Mas suponhamos que o comitê achará que várias mudanças no Esperanto são efetivamente muito necessárias. Como então ele agirá ? Antes de tudo ele se questionará se ele é suficientemente forte para impor sua vontade teórica a esses vários milhares de pessoas que até agora eram os únicos trabalhadores no assunto. Os esperantistas trabalharam durante uma longa fila de anos, muito ofereceram e com muita dificuldade finalmente adquiriram isso que durante muitos milênios parecia inadquirível, e que, uma vez perdido, nunca mais se readquiriria, pois o mundo perderia a total confiança na idéia da língua internacional. Por conseguinte todo comitê prudente diria a si: "Nós devemos ser muito cautelosos para que, ao invés de acelerar o assunto, nós não o façamos perecer para sempre". Se o comitê soubesse que ele foi eleito, por exemplo, apenas por alguma naçãozinha muito pequena e sem importância, que a eleição era apenas uma formalidade totalmente sem valor, que os que elegeram totalmente não se interessam pelo assunto e não tem nem mesmo a menor intenção de apoiar o comitê e a força para isso, então os prudentes membros do comitê apenas simplesmente expressariam suas opinião e desejos sobre diversas mudanças dignas de serem feitas no Esperanto e deixariam a aceitação ou não a cargo dos próprios esperantistas, mas nunca começariam uma concorrência contra o conjunto de esperantistas; pois eles entenderiam que moralmente isso seria apenas um pecado contra a idéia da língua internacional e na prática isso conduziria, mais cedo ou mais tarde, apenas ao fiasco.

Agora suponhamos que, para a decisão da questão sobre uma língua internacional, é criado um comitê que tem uma força não fictícia mas efetiva e grande. Anteriormente eu já mostrei que, se tal comitê não quiser que sua decisão fique absolutamente sem valor na prática, ele poderá apenas pegar ou o Esperanto ou algo muito semelhante ao Esperanto. Eu já disse que mais possivelmente ele aceitará simplesmente o Esperanto na sua atual forma. Mas suponhamos que ele não vai querer fazer isso; como então ele agirá ? Já que ele entenderá muito bem que, para criar uma língua capaz de viver, não é totalmente suficiente ser uma pessoa instruída e dizer para si "eu criarei"; que não se pode fazer isso segundo um pedido no decorrer de algumas semanas; que isso exige um trabalho muito longo, fervoroso, dedicado, cheio de amor, vários testes a fundo, experimentá-la totalmente, etc.; e já que ele saberá que já existe uma língua em cima da qual muitos homens trabalharam por muito tempo, que tem uma história e toda uma vida de muitos anos, que essa língua funciona otimamente, e apenas poucos pontos podem nela ser disputáveis: portanto é totalmente compreensível que, se o comitê tratar sua tarefa com seriedade, ele mesmo não arriscará assumir a criação de uma língua totalmente nova, nem tomará outro projeto lingüístico que a vida ainda não testou suficientemente, nem começará uma totalmente desnecessária, por conseguinte imprudente, batalha contra esses que até agora trabalharam no assunto, mas ele tomará o Esperanto e fará nele as mudanças que ele achar necessárias.

Para quem o comitê incumbiria a execução das mudanças ? No tempo de preparo, quando fosse necessário pesquisar principalmente a questão sobre qual língua se deve escolher, o comitê poderia incumbir o trabalho a qualquer um, apenas cuidando que os eleitos sejam pessoas prudentes e sem partido e entendem a inteira responsabilidade que eles assumem. Mas quando a língua já estaria eleita e se decidiria fazer nela mudanças, com quem se consultaria sobre esse trabalho ? A mais simples prudência e a mais simples compreensão dos métodos científicos dizem que sobre tal trabalho se deveria consultar não com pessoas que conhecem a língua por fora, mas antes de tudo com pessoas que melhor conhecem a língua internamente, que mais trabalharam para ela, mais a usaram na prática e em conseqüência têm nela a maior experiência e melhor conhecem suas carências efetivas. Cada um entende muito bem que fazer mudanças em alguma língua, se guiando apenas pela aparência externa e não se consultando com pessoas que melhor conhecem essa língua, seria tamanha infantilidade que certamente nenhum tipo de comitê poderia fazer, caso ele trate sua tarefa com seriedade e não seja alienado por pessoas que têm algum tipo de objetivo escondido.

E se os membros do comitê decidirem fazer mudanças no Esperanto, o que eles poderão mudar ? Se eles, por exemplo, quiserem dizer: "essa palavra é tirada de uma língua que é falada por cem milhões, portanto nós a retiremos e peguemos uma palavra de uma língua que é falada por cento e vinte milhões", ou se eles dissessem: "a nós não agrada a palavra totalmente boa na prática 'estas', nós preferimos 'esas' ...", etc., isso seria de fato uma simples infantilidade a qual as pessoas sérias certamente não permitiriam para si, pois eles entenderiam que, em uma língua que já tem muitos anos de vida, mudar um grande acervo de palavras por causa de um simples capricho, por causa de algum tipo de motivo puramente teórico e na prática absolutamente sem valor, seria uma coisa insensata.

Lembrando que se espera deles não algum tipo de diversão filológica teórica, mas um trabalho prático, eles naturalmente mudariam apenas essas palavras ou formas que se mostraram ruins por si mesmas, absolutamente ruins, gravemente inoportunas para os usuários da língua. Mas se vocês observarem completamente todas as críticas que são feitas contra o Esperanto no decorrer de vinte e três anos - e de fato já criticaram o Esperanto muitos milhares de pessoas, e certamente nem mesmo alguma menor das suas faltas permaneceu escondida - vocês encontrarão que a grandíssima maioria dessas críticas são simplesmente caprichos pessoais. O número dessas propostas de mudança que efetivamente poderiam ter algum valor prático é tão pequeno que elas todas juntas ocupariam não mais do que uma pequena folhinha, a qual cada um poderia aprender a fundo em meia hora; mas entre essas muito poucas supostas mudanças, as mais importantes são apenas melhoramento aparente, mas efetivamente elas após uma reflexão mais madura se mostrariam talvez apenas como um pioramento. Desse modo, por exemplo, a retirada dos sinais diacríticos e do acusativo, o que eu há dezesseis anos atrás propus para me libertar dos atormentadores e facilitar a propaganda e é exigida pela maioria dos reformistas, essa mudança no tempo atual, e tanto mais aos olhos do comitê erguido pelos governantes e, logo, possuidor de força, deve aparecer como totalmente inaceitável, pois ela apresentaria um aleijamento do valor interno da língua para agradar aos seus observadores externos, retirada de sons necessários da língua e da livre ordem de palavras e clareza para que ... os tipógrafos não precisem gastar alguns milhares de vinténs e os iniciantes não tenham alguma dificuldade.

Se vocês pegarem algum tipo de artigo em Esperanto, apresentado por nossos opositores para desacreditar o Esperanto, vocês quase sempre acharão apenas uma coisa: uma grande massa da terminação plural "j"; esse infeliz "j", o qual ninguém, no entanto, tem a coragem de criticar na bela língua grega, é a essência básica de todas as coisas terríveis que nossos opositores mostram no Esperanto!

Em uma palavra, cada um de vocês pode facilmente se convencer que se um dia um comitê erguido por governantes decidir fazer mudanças no Esperanto e se esse comitê tratar sua tarefa seriamente, ele poderá mudar no Esperanto apenas muito, muito pouco; o Esperanto pós-comitê permanecerá totalmente a mesma língua, como o Esperanto pré-comitê, talvez apenas algumas formas atuais se tornem arcaísmos e cedam o seu lugar para formas mais oportunas, de modo nenhum rompendo a continuidade da língua e de forma nenhuma arruinando o valor disso que nós até agora adquirimos. Isso é não apenas um pio desejo, mas isso é plenamente certificado para nós pela simples lógica e prudência, contra quem certamente nenhum tipo de comitê sério gostaria de pecar, caso ele não queira que seus trabalhos permaneçam absolutamente sem qualquer resultado prático.

Agora eu resumirei tudo o que eu disse. A pesquisa lógica do assunto nos mostra que:

1. Língua internacional não pode ser outra além do Esperanto.

2. A evolução da língua se fará mais provavelmente apenas por meio desse mesmo caminho natural, por meio do qual ela se fez em toda outra língua, isto é, por meio do ininterrupto caminho de neologismos e arcaísmos.

3. Se um dia aparecer a necessidade de fazer no Esperanto algum tipo de mudança, isso apenas pode ser feito ou pelos próprios esperantistas, através de consentimento comum, ou por algum tipo de grandíssima força, mas necessariamente em pleno consentimento com todo o conjunto de esperantistas.

4. Se um dia os próprios esperantistas ou algum tipo de força externa decidir fazer no Esperanto algumas mudanças, essas mudanças poderão ser apenas extremamente pequenas, nunca romperão a continuidade com isso que nós até agora tivemos, e nunca desvalorizará isso que nós até agora fizemos, fazemos ou mais tarde faremos.

Isso é o único possível caminhar natural das coisas. Todo aquele que quiser batalhar contra esse caminhar natural, apenas perderá desnecessariamente as suas forças. As raízes de Esperanto da árvore da língua internacional já penetraram tão profundamente na terra da vida que cada um que deseje já não pode mudar as raízes ou remover a árvore conforme achar melhor.

Caros membros do Congresso ! Tudo o que eu disse não é algum tipo de autoconfiança do autor, pois eu plenamente concordo e confesso abertamente que, para mudar algo no caminhar natural do assunto da língua internacional, eu sou tão impotente quanto qualquer outra pessoa.

Eu defendo fervorosamente nosso atual caminho apenas porque as irrefutáveis leis da lógica dizem a mim que esse é o único caminho que com plena certeza nos conduzirá ao nosso objetivo. Qualquer pessoa que quisesse mudar o natural andamento do assunto da língua internacional - em completa igualdade, seja ele inimigo do Esperanto ou seu mais famoso amigo, seja ele desconhecido ou eminente, se ele age por meio de palavras ou por meio de dinheiro ou astúcias, seja ele o mais fanático conservador ou o mais motivado experimentador de novidades, seja ele o mais puro idealista ou o mais interesseiro egoísta, se ele faz barulho e amaldiçoa ou ocultamente trabalha debaixo da terra - ele nunca conseguirá; ele poderá apenas criar um cisma passageiro e receber a infeliz glória de atrapalhador e minador, mas nunca ele poderá obrigar todos os amigos da idéia da língua internacional, por causa de algumas bagatelas insignificantes, a jogar fora tudo o que eles possuem e que se mostrou plenamente capaz de viver, no qual já está inserida tal grandiosidade de trabalhos e de vida e que pelo caminho natural deve pouco a pouco constantemente absorver novos sucos. Devem lembrar bem disso todos os que trabalham no campo de língua internacional, e se eles não lembrarem disso, a própria vida dará a eles a instrução necessária.

Logo, nós podemos trabalhar tranqüilamente; não devemos nos entristecer caso o nosso trabalho é em algumas vezes muito difícil e mal-agradecido; do nosso lado não está somente o fogo de nossos sentimentos, estão também as irrefutáveis leis da lógica e da prudência. Pacientemente nós devemos semear e semear, para que os nossos netos um dia tenham uma colheita abençoada.

Ao Sexto Congresso Esperantista, que sem dúvida jogará muitas sementes na terra americana, eu pronuncio minha saudação de coração.

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O discurso de L. L. Zamenhof no Encerramento do Sexto Congresso em Washington, 1910.

Conforme a tradição dos nossos Congressos até aqui, eu me permito, antes de nós nos separarmos, dizer a vocês algumas palavras como saudações de adeus. Eu quero dizer algumas palavras sobre a semana que nós acabamos de passar.

Quando eu decidi vir ao Congresso em Washington, eu devo confessar que comecei minha viagem com um pouco ou mesmo com bastante dúvida. Parecia-me então que os Estados Unidos era ainda jovem demais no nosso movimento para preparar um Congresso. Entretanto, eu disse a mim, a gente deve necessariamente apoiar nossos amigos norte-americanos e seus esforços, e quando eu cheguei aqui eu vi com grande prazer e alegria que minhas dúvidas eram vãs. O Sexto Congresso foi um bom sucesso, assim como os outros Congressos, e ficará igualmente na nossa memória.

Eu, antes de tudo, devo expressar o meu agradecimento a esses nossos amigos que trabalharam duro para isso, e especialmente aos nossos amigos, os senhores Reed - vocês viram tudo, então eu não repito -, e também a todos os que ajudaram. Além disso, nós devemos gratidão ao próprio país, aos governantes da pátria que tão afável e atenciosamente fez um serviço para nós; e muito agradecidos nós estamos aos governantes pelo convite que o Governo Americano fez aos representantes de outros países.

É um fato muito importante que 13 Governos foram oficialmente representados. As autoridades locais também mostraram a nós uma grande ajuda, e em vosso nome eu lhes agradeço de coração.

Agora devemos observar se o Congresso que logo terminará deu algum tipo de resultados. Sobre isso nenhum de nós duvida. Os resultados são muito importantes. Através de sua característica como que oficial, ele fortemente elevará o prestígio do nosso assunto nos olhos do mundo, o muito importante que é para nós.

E também a muitos dos nossos amigos norte-americanos, que ainda não tiveram a ocasião de escutar o Esperanto falado por estrangeiros, o Congresso trouxe um lucro e sem dúvida ajudará muito acerca da exata pronúncia de nossa língua. Eu estou certo que quando nós os revermos, nós não mais os reconheceremos, mas perguntaremos sobre eles: de qual nação eles vêm ?

E agora, coidealistas, como nós devemos ir cada um para suas casas, a cada um eu digo: tenham um feliz caminho ! Feliz viagem até as suas casas ! E espero que eu reveja a todos, ao pelo menos uma grande parte de vocês, em Antuérpia.

Até a vista em Antuérpia !

O Sexto Congresso Internacional está encerrado.

(Esse discurso vem em sua maioria de "Originala Verkaro", IV-12, e eu misturei algumas partes do mesmo discurso contido em "Lingvo Internacia" n-ro 9, 1910, p. 428 - 429, conservando a idéia principal de ambos os textos.)

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O discurso de L. L. Zamenhof na abertura da Conferência de Preparação dos Esperantistas Russos em São Petersburgo em 1910.

Estimadas senhoras e senhores ! - Vocês talvez admirem que eu fale a vocês não em russo, mas em Esperanto; vocês talvez digam que como nós temos agora um congresso de conterrâneos e todos, ao ao menos quase todos seus participantes, entendem muito bem a mesma língua, é muito mais natural falar a eles nessa língua. Existem, entretanto, causas importantes pelas quais eu escolhi para meu discurso essa língua, por quem nós batalhamos e nos reunimos.

Nossos congressos, não só os universais como também os nacionais, têm antes de tudo um significado instrutivo e educativo. Esperantistas, espalhados em várias cidades e vilas, reúnem-se mais ou menos em grande quantidade, para ouvir nossa língua, para verificar se eles a entendem bem, para comparar a sua própria maneira de falar com a maneira de falar de esperantistas mais experientes. Quando eles depois voltam para casa, eles mesmos não só falam com mais pureza, mas eles levam um modelo de boa pronúncia a todos os que ficaram em casa.

Dessa maneira os congressos regularizam o uso da língua, e graças aos nossos congressos agora já se fala Esperanto perfeitamente igual não só nos mais distantes cantos de cada reino específico, mas em todos os mais diferentes locais de todo o globo terrestre. Já agora, quando se ouve um orador bom e experiente em Esperanto, de modo algum se pode adivinhar de qual nação ou região ele pertence. A plenamente autônoma vida de nossa língua, com sua vida absolutamente própria, não consiste de misturas, de tal modo que cada congresso de toda a Rússia é um pouco similar a um congresso internacional.

Misturada é a população também em outros reinos, mas lá a característica das relações recíprocas entre os povos é outra do que entre nós. Eu não quero analisar a causa deste fato, pois isso me obrigaria a entrar no terreno político, o qual eu desejo evitar; eu apenas constato o fato. Pela existência desse fato, durante um longo tempo também no nosso reino não pode acontecer congressos de toda a Rússia efetivamente, nos quais com a plena disposição e sinceridade participariam todos os povos do reino russo. Ainda durante um longo tempo, congressos efetivos e sinceramente participados pelos povos russos podem ocorrer apenas sobre um fundamento neutro. O primeiro desses congressos é o atual congresso russo esperantista. No congresso que agora se encerra, não existirão concorrentes e inimigos, não existirão humilhadores e humilhados, existirão apenas coidealistas e conterrâneos. Portanto eu alegremente saúdo o primeiro Congresso Esperantista Russo; eu o saúdo em dose dupla: como esperantista e como russo.

Não é grande o nosso atual congresso, pois se começou o seu preparo tarde demais. Muito poucos esperantistas russos participam dele, muito poucos povos russos têm nele seus representantes. Em verdade ele é apenas um começo e tentativa, ele é apenas um passo em preparação para os futuros Congressos Esperantistas Russos. Eu, no entanto, não duvido que nosso pequeno congresso de teste não fique sem utilidade para o esperantismo na Rússia. Apesar de nossas pequenas forças, eu espero que os coidealistas reunidos possam colocar algumas pedras fundamentais, sobre as quais depois se construirá sempre mais e mais um grandioso esperantismo russo.

Eu espero que graças, ao nosso empenho, nós em breve não precisaremos de nos envergonhar perante o exterior e o nosso assunto se erguerá no nosso reino tão bem e fortalecido como em outras nações. Em boa hora comecemos nosso trabalho.

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O discurso de L. L. Zamenhof na abertura do Sétimo Congresso Esperantista em Antuérpia em 21 de Agosto de 1911.

Como tradicional inaugurador dos congressos esperantistas, eu me permito expressar em nome de todos os participantes do congresso o nosso respeitoso e sincero agradecimento à Sua Majestade o Rei Alberto pela grande honra que ele fez ao nosso assunto, assumindo a qualidade de protetor de nosso congresso. Eu espero expressar o desejo de todos os participantes se eu propuser que nós enviemos por telégrafo a nossa saudação multiétnica ao rei e chefe da nação cujos hóspedes somos nós, e o nosso agradecimento ao nosso grande protetor. Eu expresso também em nome dos participantes o nosso agradecimento de coração à prefeitura de Antuérpia, que afavelmente nos deu sua ajuda e apoio moral. Por fim eu expresso o nosso agradecimento fraterno de coração a esses nossos coidealistas belgas, que com tanto esforço e cuidado aprontaram nossa grande festa.

Eu uso também a ocasião de nossa festa para chamar novamente na vossa memória o nome de um homem que tem um grandíssimo mérito no nosso assunto. O prelado Johann Martin Schleyer, cujo nome cada um de vocês conhece muito bem, o autor do Volapuque, há pouco festejou o seu 80° aniversário, e seria imperdoável se nós não usássemos a ocasião de nossa atual reunião geral para expressar a ele esses sentimento que nós todos temos por ele. Ele é o verdadeiro pai de todo o movimento de língua internacional. Antes dele se sonhava também com uma língua internacional, tentou-se trabalhar por ela; mas esses foram apenas esboços teóricos, fantasmas pálidos e imateriais no mundo dos sonhos. Ele foi o primeiro que disse a si mesmo: para uma língua internacional eu não devo sonhar, mas trabalhar; enquanto tudo em volta dormia, ele foi o primeiro que criou na prática o movimento de língua internacional. Volapuque não foi vencido pelo Esperanto, como muitas pessoas pensam com total erro; ele pereceu por si mesmo nesse tempo em que o Esperanto, trabalhando tranqüilamente e sem subterfúgios, era ainda fraco demais para vencer alguém; ele pereceu não por seu estranho som ou por algumas causas semelhantes, pois a tudo se pode acostumar, e o que ontem parecia selvagem amanhã aparece como algo totalmente natural e belo; através de um uso longo e muito variado, até mesmo o mais selvagem idioma do povo mais bárbaro pouco a pouco se torna uma língua rica, elegante e oportuna.

O Volapuque pereceu principalmente por causa de um grave erro que ele infelizmente continha: falta absoluta de capacidade natural de evoluir; com cada nova palavra ou forma a língua devia constantemente depender das decisões de uma pessoa ou um grupo de pessoas facilmente em conflito entre si. Como sobre um bastão plantado na terra, novos galhos e folhas não podiam naturalmente crescer sobre ele, mas deviam ser constantemente esculpidos e enxertados. Se não existisse esse erro, o qual corrigir infelizmente não se podia, Volapuque nunca pereceria e nós todos agora aparentemente falaríamos em Volapuque Mas esse lamentável erro, que não foi causado por falta de talento e de esforço, mas apenas pela publicação da língua com demasiada rapidez sem ser testada com suficiente maturidade, - esse erro, que fez o Volapuque perecer, de modo nenhum diminui os méritos de seu autor, que primeiro sacudiu o mundo poderosamente pela nossa idéia; os grandes méritos de Schleyer na história da língua internacional nunca desaparecerão.

Eu lhes proponho que, pela ocasião da festa de Schleyer, nós enviemos a ele por telégrafo, em nome de todo o conjunto de esperantistas, o nosso parabéns de coração por seu grande trabalho e o nosso desejo de que ele viva ainda muito tempo e tenha a consciência de que os frutos do seu trabalho nunca perecerão.

Caros amigos ! Eu não estou esperançoso hoje diante de vocês. Como durante o último tempo o estado de minha saúde esteve ruim demais, eu decidi não viajar ao congresso neste ano. Entretanto, no último momento eu tive de mudar a minha decisão, pois eu notei que o projeto que eu apresentei para a discussão durante o Sétimo Congresso não foi exatamente compreendido por todos e talvez necessite de explicações de minha parte. Portanto não se admirem por eu não ter me preparado para falar diante de vocês sobre algum tema especial, mas eu tocarei apenas através de umas poucas palavras nessa questão, cuja discussão durante o congresso eu propus a vocês. Eu não anteciparei a vossa decisão para ou contra o projeto a ser discutido, eu quero apenas dizer algumas palavras gerais para lhes incitar a se prepara bem e imparcialmente para as vindouras discussões.

Existem questões em nosso assunto que não podem ser solucionadas por uma pessoa específica, nem por uma associação nacional específica, nem por uma instituição específica, mas apenas por todo o conjunto de esperantistas: por exemplo, as questões acerca de nosso Comitê Lingüístico, Comitê Permanente de Congressos, etc. Se alguém quiser fazer simplesmente propostas de aconselhamento sobre a ação interna dessas instituições, ele pode apresentar suas propostas aos chefes das mencionadas instituições; mas caso alguém faz reclamações, exige reorganização, substituição ou até mesmo a abolição dessas instituições, - então a quem se deve recorrer ? Ou caso apareçam algumas questões concernentes a todo o conjunto de esperantistas, mas pertence nem ao Comitê Lingüístico nem ao Comitê dos Congressos, - então quem tem o direito de lhes resolver ? Em sua vida esperantista em particular, cada pessoa ou grupo ou associação é naturalmente totalmente livre e pode agir como eles quiserem e sabem como podem; mas sobre todas as questões, dúvidas ou empreitadas que dizem respeito a todo o assunto do Esperanto, é necessariamente preciso que nós tenhamos a possibilidade de sempre saber a verdadeira opinião ou desejo de todo o conjunto de esperantistas. O Esperanto ainda não está nesse feliz estado em que cada um possa apenas tirar um proveito dele, sem cuidar pelo bom estado do próprio assunto: nós devemos, e ainda por um longo tempo deveremos, fazer propaganda dele, fazê-lo crescer, defendê-lo dos inimigos; mas se nós não temos a possibilidade de regularmente nos aconselharmos mutuamente, ou se nossos aconselhamentos, feitos não na maneira de ordem parlamentar, não tiverem um valor moral para os esperantistas, nós seremos semelhantes a um organismo sem cabeça e sem mãos, nós nada poderemos empreender, nós permaneceremos imóveis e guerrearemos entre nós mesmos.

Eu não quero no atual momento defender o projeto sobre o qual vocês nos próximos dias discutirão; bem pode ser que o projeto tem erros graves que serão retirados pela vossa discussão; bem pode ser que todo o projeto se mostre inaceitável, e então - vocês sabem disso muito bem - eu não me esforçarei em impô-lo a vocês, como eu nunca impus algo a vocês. Apenas sobre um assunto eu lhes peço de coração: o que quer que vocês decidam, - nós não devemos encerrar nosso congresso antes que nós, em uma forma ou outra, façamos algum tipo de arranjo que dê a nós a possibilidade de, ao menos uma vez ao ano, resolver todas as disputas ou dúvidas que se acumularam, num consentimento leal e em conformidade ao verdadeiro desejo de todo o conjunto de esperantistas.

O arranjo de uma votação regular e legalizada que eu lhes proponho, ou algum outro arranjo similar que talvez resulte da vossa discussão, não será um tipo de instituição nova e através de si mesma não mudará o andamento de nosso assunto; mas ele nos dará a força da ordem e da solidariedade. As instituições que nós criamos, ou talvez ainda criemos, cessarão de ter a característica de algo privado que ninguém apóia e muitos atacam. Elas terão o direito de dizer a todos os esperantistas: se nós somos bons, nos respeite e nos apóie; se nós somos ruins, ou nos reorganize ou nos retire. Cada esperantista saberá à qual mais alta instância ele deve recorrer, se isso ou aquilo nos assuntos comuns esperantistas não lhe agrada, e as pessoas cessarão de recorrer constantemente a mim, que hoje estou vivo e amanhã posso não estar, e que, além disso, não tenho direito nem desejo de resolver todas as disputas com minha própria decisão.

Comecemos a nossa festa e também os nossos trabalhos, aos quais dediquemos nossa plena atenção e imparcialidade. Se dos nossos trabalhos resultarem a introdução de uma ordem precisa no nosso assunto, então o congresso de Antuérpia será um dos mais importantes entre os nossos congressos. Isso nós devemos esperar. Cada um de nós deve ter a firme decisão de ajudar com todas as forças a introdução de ordem e a retirada de todo conflito em nosso assunto. Com essa firme e solene decisão no coração gritemos: viva, cresça e floresça o nosso assunto !

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O discurso de L. L. Zamenhof na abertura do Oitavo Congresso Esperantista em Cracóvia em 11 de Agosto de 1912.

As primeiras palavras que eu quero proferir a vocês, caros coidealistas, são palavras de uma congratulação de coração, pois nós temos hoje uma grande festa. Há pouco se completaram vinte e cinco anos do tempo que que - após um longo preparo para a concepção - apareceu publicamente a língua que a todos nós une, para a qual todos nós trabalhamos e que incorpora em si essa idéia de fraternização do homem, a qual a maioria de nós têm em seu coração e que durante vinte e cinco anos nos impulsionou calorosamente a trabalhar, apesar de todo o tipo de dificuldade e de todos os obstáculos.

Vinte e cinco anos de trabalho pelo Esperanto e por sua idéia ! Podem compreender isso apenas aquelas pessoas que participaram nesse trabalho desde o começo até agora. Infelizmente são poucas essas pessoas. Dos trabalhadores do primeiro momento muitos já há muito tempo não estão vivos, outros foram cansados pelo caminho difícil e que exige grande paciência e persistência, e eles desapareceram de nossa turma. Dessas pessoas que agora se encontram neste salão, a grandíssima maioria nos primeiros anos do Esperanto nada sabiam sobre ele ou ouvia, sem clareza, sobre ele como algum tipo de curiosidade maluca e ridícula; muitos de vocês no momento do aparecimento do Esperanto eram ainda crianças; muitos, e certamente os não menos fervorosos de vocês, nesse tempo nem mesmo existia no mundo ainda. A grandíssima maioria de vocês se afiliou ao nosso assunto apenas quando ele já estava suficientemente forte e testado. Muito pequeno mesmo, facilmente calculável pelos dedos, é o número dessas pessoas que foram com o Esperanto desde o momento de seu nascimento até a época atual. Emocionadamente eles podem agora relembrar o quão terrivelmente difícil foi cada passo no começo, quando cada alusão ao Esperanto exigia uma coragem especial, quando de cada mil sementes - as quais nós, na mais primitiva maneira, sem ajuda e sem recursos, jogamos pacientemente na terra - apenas uma formava raízes.

Vinte e cinco anos ! Grandíssima importância esse pedaço de tempo tem na história da língua artefeita. Línguas naturais crescem com toda a tranqüilidade, pois com tal língua ninguém tem coragem de fazer alguns experimentos ou mudá-la conforme seu gosto; mas sobre um língua artefeita cada um opina ter o direito de voz, que ele pode ou até mesmo deve direcionar a sorte da língua conforme seu entendimento. Em uma língua natural, cada coisa ruim - até mesmo a maior e mais real - não provoca ninguém, nem mesmo faz ninguém refletir, e é aceito com total contentamento ou resignação; na língua artefeita tudo nos parece criticável, toda bagatela que não está de acordo com o nosso gosto nos dói os olhos e acorda o desejo de refazer. Uma língua artefeita é durante um longo tempo submetida aos ventos incessantes, aos empurrões e puxões incessantes. Quantos ventos, quantos puxões incessantes nossa língua teve que sofrer durante seus vinte e cinco anos de vida ! Se ela, entretanto, tudo suportou com saúde, se apesar de todos os ventos e empurrões ela durante vinte e cinco anos viveu e cresceu regularmente e corretamente, sempre se fortalecendo e enriquecendo mais, nunca se curvando ou se aleijando, nunca ameaçando se despedaçar em dialetos, mas sempre mais e mais enrijecendo sua essência totalmente definida e igual em todo lugar, nunca perdendo hoje o que adquiriu ontem, - nós podemos disso nos parabenizar sinceramente.

Há vinte e cinco anos atrás eu temerosamente me perguntava se depois de vinte e cinco anos alguém no mundo saberá ainda que um dia existiu o Esperanto e - se o Esperanto viver - se alguém então poderá entender algo que foi escrito em Esperanto no seu primeiro ano, e se um esperantista inglês poderá entender um esperantista espanhol. Agora sobre isso a história já deu uma plena e perfeitamente tranqüilizadora resposta. Cada um de vocês sabe que um obra, escrita em bom Esperanto há vinte e cinco anos atrás, conserva a sua boa qualidade em plena medida também agora, e os leitores nem mesmo podem dizer que ela foi escrita no primeiro ano de existência de nossa língua; cada um de vocês sabe que entre o estilo de um bom esperantista inglês e o de um bom esperantista espanhol na época atual não existe absolutamente nenhum tipo de diferença. Nossa língua progride e se enriquece constantemente, e, no entanto, graças à constante regularidade de seu progresso, ela nunca se muda, nunca perde a continuidade com a língua da época mais anterior. Como a língua de um adulto é mais rica e elástica do que a de uma criança, e, no entanto, a língua de uma criança que fala exatamente é em nada diferente da língua do adulto, assim uma obra escrita em Esperanto há vinte e cinco anos atrás não é tão rica de palavras quanto a obra escrita na época atual, e, no entanto, a língua dessa época perdeu absolutamente nada do seu valor também no tempo atual.

Uma língua que suportou a provação durante vinte e cinco anos, que no melhor e sempre mais florescente estado já viveu ao longo de uma geração toda e já é mais velha do que muitos dos seus usuários, que já criou uma literatura grande e crescente em potencial, que tem sua história e suas tradições, sua essência totalmente precisa e seus ideais totalmente claros, - tal língua já não precisa temer que algo lhe empurre, a fim de fazer com que pereça, do seu natural e reto caminho, segundo o qual ela evolui. A vida e o tempo garantiram para a nossa língua uma força natural a qual nenhum de nós pode desrespeitar impunemente. O jubileu de hoje é uma festa dessa vida e desse tempo.

Para que nós, viventes, possamos festejar o jubileu de hoje, com fervor e dedicação trabalharam muitas pessoas que já não estão vivas agora. Nosso dever moral seria relembrá-los no atual momento solene. Mas que pena ! O número deles é grande demais para que nós possamos citá-los todos, e, além disso, a maior parte dele trabalhou com tal modéstia que nós nem mesmo sabemos seus nomes. Portanto, para não fazer uma distinção injusta entre eminentes e não-eminentes, eu não citarei nenhum nome em particular. Eu devo fazer uma exceção apenas para o nosso camarada Van der Biest, cujo nome está ainda fresca demais na memória de nós todos e que no ano passado organizou e presidiu a nossa grande festa de todo ano, e cuja morte está sem dúvidas ligada com esses grandes trabalhos e coisas desagradáveis as quais ele assumiu por todos nós. Em vosso nome eu expresso meu pesar às memórias de todos os nossos queridos camaradas, os quais durante os vinte e cinco anos passados a morte rasgou de nós. Suas imagens devem estar agora diante de nossos olhos, como que participando nessa grande festa a qual eles prepararam, mas não viveram até ela ocorrer. Eu lhes proponho que nós honremos a memória deles levantando-nos de nossas cadeiras.

Agora que a maturidade do nosso assunto já está totalmente fora de dúvidas, eu me dirijo a vocês, caros coidealistas, com um pedido que eu já há muito tempo quis direcionar a vocês, mas o qual eu até agora atrasei pois eu temia fazê-lo cedo demais. Eu peço que vocês me libertem desse papel que eu, por causas naturais, ocupei em nosso assunto durante vinte e cinco anos. Eu peço a vocês que a partir do momento atual vocês parem de ver em mim um "mestre", que vocês parem de me honrar com esse título.

Vocês sabem que logo no começo do nosso movimento eu declarei que eu não quero ser um mestre do Esperanto, mas que toda a maestria sobre o Esperanto eu em toda a plenitude transmiti aos próprios esperantistas. Vocês sabem também que desde esse tempo eu agi sempre lealmente, ou pelo menos me esforcei em agir em conformidade com essa declaração. Eu dava a vocês conselhos do modo que eu podia, mas nunca vocês ouviram de mim as palavras "isso eu exijo" ou "eu desejo aquilo". Nunca eu tentei lhes impor a minha vontade. Entretanto, com a consciência de que, até o seu pleno fortalecimento, o nosso assunto precisa de alguma espécia de estandarte materializado, eu - conforme vosso desejo - durante vinte e cinco anos cumpri esse papel do jeito que pude, e eu permiti, ainda que muito involuntariamente, que vocês vissem em mim um líder e mestre. Com alegria e orgulho eu constato que vocês sempre me mostraram confiança sincera e amor, e por causa disso eu pronuncio o meu mais afetuoso agradecimento.

Mas agora me permitam que eu finalmente tire de mim o meu papel. O atual congresso é o último no qual vocês me vêem diante de vocês; depois, se eu puder vir até vocês, vocês sempre me verão entre vocês. Eis a causa que me obrigou a fazer a atual decisão:

A existência de algum tipo de líder permanente natural, até mesmo se esse líder tem apenas a característica de um estandarte de união, apresenta uma grave coisa inoportuna para o nosso assunto, pois ele dá ao assunto uma característica como que pessoal. Se a alguém não agrada a minha pessoa ou meus princípios politicamente religiosos, ele se torna inimigo do Esperanto. Tudo o que eu digo ou faço pessoalmente é ligado com o Esperanto. O título honroso demais de mestre que vocês me deram, ainda que na verdade diga respeito apenas ao assunto da língua, fazem se distanciar do Esperanto muitas pessoas, para as quais eu por algum tipo de motivo não sou simpático e que temem que, se tornando esperantistas, eles deveriam me olhar como seu líder moral. Cada um, cuja opinião sobre assuntos esperantistas é diferente da minha, sempre se incomoda em pronunciar livremente a sua opinião, para não lutar publicamente contra esse que os esperantistas chama de seu mestre. Se os esperantistas não querem aceitar a opinião de alguém, ele vê nisso apenas a onipotente influência do mestre. Agora que o nosso assunto é já suficientemente forte, é preciso que ele enfim se torne absolutamente livre, não somente de todos os decretos pessoais, como ele já se tornou há vinte e cinco anos atrás, mas também de todo o tipo de influência pessoal efetiva ou aparente. É preciso que o mundo se informe com total clareza que o Esperanto pode ter ou não seus guias livremente escolhidos, mas que ele não possui nenhum tipo de mestre permanente. Chamem-me pelo meu nome, me chamem de fundador da língua, ou do jeito que vocês quiserem, mais eu lhes peço, não me chamem mais de "mestre", pois, por esse nome que moralmente amarra demais, vocês aprisionam o nosso assunto.

Muitos de vocês portam no coração os mesmos ideais que eu, ainda que nem todos de forma totalmente igual; mas o mundo deve saber que esse parentesco moral entre eu e vocês é de acordo com a vontade, que o esperantismo e os esperantistas não podem ser responsáveis pelas minhas idéias e aspirações pessoais, as quais para nenhum de vocês são obrigatórias. Se eu digo ou faço algo que não está de acordo com o gosto ou convicções desse ou de outro entre vocês, eu desejo que isso não incomode a nenhum de vocês e cada um de vocês tenha o direito de dizer: isso é uma idéia totalmente particular ou loucura de Zamenhof, e isso não tem nada em comum com o movimento esperantista, no qual ele é apenas uma pessoa totalmente particular. A idéia interna do Esperanto, que não tem absolutamente nenhuma obrigação para cada esperantista particular, mas que, como vocês sabem, plenamente domina e sempre deve dominar nos congressos de Esperanto, é: sobre um fundamento lingüístico neutro retirar os muros entre os povos e fazer com que as pessoas tenham o costume de ver no seu próximo apenas uma pessoa e irmão. Tudo o que está acima dessa idéia interna do Esperanto é apenas coisa particular que pode talvez estar baseada nessa idéia, mas nunca deve ser observada como idêntica a ela.

Antes de eu tirar de mim todo o tipo de papel oficial no nosso assunto, eu ainda pela última vez lhes admoesto: trabalhem sempre em plena unidade, em ordem e concórdia. Todas as questões duvidosas que dizem respeito a todo o assunto do Esperanto e que não tocam na liberdade pessoal de cada esperantista em particular, devem ser resolvidas sempre em paz, através de um mútuo conselhamento regular de vossos delegados escolhidos com iguais direitos e através da disciplinada submissão da minoria à maioria. Nunca permitam que em nosso assunto domine o princípio: "quem grita mais alto está correto". Através da unidade nós mais cedo ou mais tarde certamente venceremos, até mesmo se todo o mundo batalhasse contra nós; através de conflito interno nós arruinaríamos o nosso assunto mais rapidamente do que todos os nossos inimigos poderiam fazer juntos. Não esqueçam que o Esperanto é não somente uma simples língua que cada um de nós usa apenas para suas próprias necessidades, mas que ela é um importante problema social, que para atingir o nosso objetivo nós devemos constantemente fazer propaganda do nosso assunto e cuidar para que o mundo tenha estima e confiança por ela. Se em nosso assunto aparece algo que nos parece ruim, nós podemos tranqüilamente retirá-lo através de uma decisão concordada em comum; mas nunca semeemos no nosso acampamento ódio recíproco e conflito, que apenas alegra os nossos inimigos e os faz triunfar.

Nos primeiros anos de nosso trabalho, no nosso estandarte estavam escritas as palavras "esperança, obstinação e paciência"; isso era totalmente suficiente, já que nós, coidealistas, devemos reciprocamente nos estimar e ajudar, isso para cada um era compreensível por si mesmo. Nos últimos anos nós infelizmente sempre esquecemos esse dever; portanto agora, chegando ao segundo período importante de nossa história, ao segundo quarto de século, nós devemos escrever no nosso estandarte uma nova palavra, e a esta palavra nós sempre devemos respeitar como uma ordem sagrada; essa palavra é "concórdia".

Eu terminei o que eu tinha a intenção de lhes dizer, caros amigos. Eu sei muito bem que meu discurso de agora desagradavelmente desiludirão muitos de vocês. Com um sentimento amargo de esperança não-preenchida vocês talvez perguntem: em seu último discurso de congresso, em seu "canto do cisne", ele nada mais tinha para nos dizer ? no importante dia do jubileu do esperantismo, desse jubileu que nós atingimos após tantos trabalhos e sofrimentos, ele nada mais tinha para nos dizer ? na primeira e talvez também última vez na qual nós de todas as partes do mundo nos aproximamos o quanto pudemos a esse lugar onde o Esperanto nasceu, e onde a atmosfera saturada de conflito entre povos, por meio de inevitável reação natural, gerou o movimento do esperantismo, - neste importante e solene momento ele nada mais tinha para nos dizer ? Oh não, meus caros amigos, meus caros coidealista e colaboradores !

Muito, muito, muito mesmo eu gostaria de dizer hoje a vocês, pois meu coração está cheio; no momento jubilar do esperantismo eu gostaria de lhes falar sobre isso que gerou o esperantismo, sobre sua essência e esperáveis conseqüências; mas hoje eu estou diante de vocês ainda em um papel oficial, e eu não desejo que minha crença particular seja observada como crença obrigatória de todos os esperantistas. Portanto me perdoem por eu não falar mais.

O que é a essência da idéia do esperantismo e para qual tipo de futuro a intercompreensão sobre um fundamento lingüístico neutralmente humano e de nenhum povo conduzirá a humanidade um dia, - isso nós todos sentimos muito bem, ainda que nem todos em forma e grau totalmente iguais. Demos então hoje o pleno governo a esse silencioso e profundo sentimento e não o profanemos por meio de esclarecimentos teóricos.

Coidealistas ! A antiga capital polonesa na qual nós nos reunimos aprontou para nós uma hospedeira acolhida, fez muito para honrar o nosso assunto e para tornar a nossa estadia durante o congresso agradável a nós. Eu espero que, voltando para sua casa, cada um de vocês levarão consigo a melhor lembrança sobre esse país e cidade, os quais a maioria de vocês até agora aparentemente muito pouco conheceu. Ao reino e país que mostrou a nós a sua amizade, mas principalmente à prefeitura da hospedeira Cracóvia e a todas as instituições e pessoas que deram ao nosso congresso o seu apoio moral e material, eu expresso em vosso nome o mais afetuoso agradecimento. O mais afetuoso e camarada agradecimento eu expresso naturalmente antes de tudo ao incansável comitê organizador local, que não poupou trabalho para a melhor organização de nosso congresso. E agora eu desejo a todos vocês uma divertida festa e um trabalho de sucesso.

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O discurso de L. L. Zamenhof diante do túmulo de Karlo Bourlet em 1913.

No balneário alemão onde eu estava, chegou até a mim totalmente súbita a notícia dolorosa da morte desse, por quem nós todos agora estamos de luto. Ela me atingiu de forma totalmente inesperada como golpe de trovão. Eu me apressei em vir para cá para dar ao querido falecido a minha última e muito entristecida saudação. Eu não tive completamente o tempo para que eu pudesse lhes apresentar a exata imagem sobre a completa história de ação e sobre todos os méritos desse que nós perdemos; portanto perdoem por eu falar apenas brevemente e por eu não lhes apresentar a história, mas apenas expressar um pouco os meus sentimentos. A história será escrita sem dúvidas mais cedo ou mais tarde por outras pessoas, e elas certamente poderão narrar muito mais.

O falecido era cientista, ele era agente social e assim por diante, mas desde esses aspectos eu pessoalmente não o conheci muito, eu o conheci apenas como esperantista, entretanto, logo a partir do primeiro momento em que eu comecei a conhecê-lo como esperantista, ele sempre esteve diante dos meus olhos como uma pessoa tão importante e tão plena de méritos que toda a vez em que eu pensava sobre o destino do Esperanto, sobre suas esperanças para o futuro, sempre em primeiro plano estava diante de mim a figura de Bourlet.

Muito se trabalhou para o Esperanto também antes de Bourlet, mas desde o momento em que ele se juntou à nossa turma, a nova energia se derramou no nosso assunto. Logo após o seu aparecimento ele começou uma propaganda vigorosa que até então não era muito conhecida no mundo do Esperanto. Ele atraiu para o nosso assunto uma importante razão social, a qual deu ao então ainda fraco Esperanto um poderoso apoio e um forte impulso para frente. Ele começou uma série de discursos públicos, mas esses discursos não eram somente teóricos, cada discurso fez por conseqüência a fundação de um grupo esperantista. Em Paris ele fundou um grupo que, através de sua ótima organização e vigoroso trabalho, logo se tornou um modelo a ser imitado por todos outros grupos esperantistas no mundo. À sua iniciativa incansável, motivação e ajuda nós devemos o grande enriquecimento de nossa literatura e o aparecimento das mais importantes obras sobre e em nossa língua, à sua iniciativa e enérgico trabalho nós devemos a fundação de importantes instituições, como, por exemplo, a Associação Científica Internacional e outras. Ele trabalhou não somente em seu país e em sua cidade: para muitos locais onde se precisou de ajuda, ou onde apareceu alguma espécie de perigo para o nosso assunto, Bourlet, o enérgico ajudante de nosso caro general Sebert, sempre estava pronto com seu trabalho e ajuda. Mas um dos mais importantes papéis de Bourlet era junto aos nossos congressos. Todos os organizadores de congressos de Esperanto sabem muito bem o quanto Bourlet trabalhou para cada congresso, antes, durante e depois dele. Em 1914 Bourlet estava para aparecer diante de nós como organizador direto e sem mediações do congresso em sua própria cidade, do congresso em Paris; já há mais de um ano atrás ele começou a mais enérgica preparação desse congresso, o congresso prometia ser grandioso; todo o mundo esperantista, conhecendo muito bem as capacidades de organização de Bourlet e sua extraordinária energia, esperava muito mesmo desse congresso e se preparava para vir em grande número.

Mas que pena, a impiedosa morte disse sua palavra cruel. Eu não quero mais falar. Nem todos os esperantistas sabem o quanto o nosso assunto deve ao nosso querido falecido. Virá o tempo em que todos os esperantistas compreenderão o quão importantíssimo foi o trabalho de Bourlet, e então, que pena, eles tarde demais recompensarão à sua memória essa ingratidão que ele de vários lados sofreu enquanto ele viveu.

À inconsolável esposa e aos seus filhos eu posso certificar que no mundo dos esperantistas a memória do caro falecido nunca morrerá. Você, memória do nosso querido amigo e batalhador, aceite meu pesar e a saudação desse assunto para o qual você tanto e tão dedicadamente trabalhou.

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Anexos

A - Resposta do Dr. Zamenhof depois que ele esteve em Berna recebendo uma medalha de ouro e um buquê de flores, 1913.

O Esperanto já não depende mais de uma pessoa somente nem de somente um grupo de pessoas para o seu sucesso. Pessoas podem vir, e pessoas podem ir, mas o Esperanto continuará até que o ideal de uma língua internacional, reunindo todos os povos pelo laço de entendimento comum, terá alcançado sua realização vitoriosa pra o bem de toda a humanidade.

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B - Declaração sobre a essência do Esperantismo (Reunião de 9 de Agosto de 1905).

Aceita na última reunião de trabalho do Congresso em Boulogne-sur-Mer.

Já que sobre a essência do Esperantismo muitos têm uma idéia muito falsa, por isso nós os subscreventes, representantes do Esperantismo em vários países do mundo, reunidos no Congresso Esperantistas internacional em Boulogne-sur-Mer, achamos necessário conforme a proposta do autor da língua Esperanto dar o seguinte esclarecimento:

1 - O Esperantismo é um esforço em divulgar no mundo inteiro a utilização de uma língua humana de modo neutro, a qual "não se intrometendo na vida interna dos povos e nem um pouco objetivando jogar de lado as línguas nacionais existentes", daria às pessoas de diferentes países a possibilidade de intercompreensão mútua, que poderia servir como uma língua de apaziguamento das instituições públicas nesses países onde várias nações batalham entre si a respeito da língua, e na qual poderiam ser publicadas aquelas obras que têm igual interesse por todos os povos. Toda outra idéia ou esperança que um ou outro Esperantista liga com o Esperantismo será um assunto totalmente de foro íntimo, pelo qual o Esperantismo não responde.

2 - Como já na época atual nenhum pesquisador no mundo inteiro duvida que uma língua internacional possa ser apenas uma língua artificial, e como de todas as muitíssimas tentativas feitas no decorrer dos últimos dois séculos todos apresentam apenas projetos teóricos, e uma língua efetivamente finalizada, testada de todos os lados, com perfeito poder de viver e em todas as relações mostrou-se de modo mais conveniente apenas uma única língua, Esperanto, então os amigos da idéia da língua internacional, tendo consciência de que a disputa teórica conduzirá a nada e que o objetivo pode ser atingido apenas pelo trabalho prático, já desde muito todos se agruparam em volta da única língua Esperanto e trabalham pela sua divulgação e pelo enriquecimento de sua literatura.

3 - Como o autor da língua Esperanto logo no começo recusou de uma vez por todas quaisquer direitos e privilégios pessoais em relação a essa língua, então o Esperanto é "propriedade de ninguém", nem em nível material nem em nível moral. O mestre material desta língua é o mundo inteiro e cada um que desejar pode editar em ou sobre essa língua todos os tipos de obras que ele deseja, e usar a língua para todas as espécies de objetivos possíveis; como mestres da essência desta língua serão sempre observadas essas pessoas que no mundo esperantista serão aclamados como os melhores e mais talentosos autores nesta língua.

4 - O Esperanto não tem nenhum doador legal próprio e não depende de nenhuma pessoa em especial. Todas as opiniões e obras do criador do Esperanto têm, de modo semelhante às opiniões e obras de todo outro esperantista, uma característica absolutamente privada e para ninguém é obrigatória. O único fundamento da língua Esperanto obrigatório de uma vez por todas para todos os esperantistas é a pequena obra "Fundamento de Esperanto", na qual ninguém tem o direito de fazer mudanças. Se alguém se abstém das regras e modelos dados na obra mencionada, ele nunca pode se dar razão com as palavras "assim deseja ou aconselha o autor do Esperanto". Em cada idéia que não pode ser oportunamente exprimida através desse material que se acha no "Fundamento de Esperanto", cada esperantista tem o direito de exprimir na maneira que ele achar mais exata, assim como está feito em toda outra língua. Mas por causa da plena unidade da língua para todos os esperantistas está recomendado imitadamente tanto mais quanto for possível esse estilo que se acha nas obras do criador do Esperanto, o qual trabalhou mais pelo e em Esperanto, e o que melhor conhece sua essência.

5 - É chamada de Esperantista toda pessoa que sabe e usa a língua Esperanto, em total igualdade para quais objetivos ele a usa. Pertença a alguma Sociedade esperantista ativa é recomendável para cada esperantista, mas não é obrigatória.

Acima está o texto aceito no Primeiro Congresso em Boulogne-sur-Mer em 1905. No rascunho publicado antes do congresso:

# no fim do parágrafo 2 estava:

Mas se contra toda a espera algum dia se mostrasse que através de outra espécie de caminho a idéia de uma língua internacional pode ser realizada de modo melhor, mais rápido do que através do Esperanto, então o autor do Esperanto se colocará nesse novo caminho e juntamente com ele, espera-se, também todos os esperantistas.

# no parágrafo 4 estava ao invés de "fazer mudança": fazer até mesmo a menor mudança.

# era seguinte o 5º parágrafo (entre os definitivos 4º e 5º):

5. Sobre todas as dúvidas que aparecem no uso da língua Esperanto, sempre as decide o Comitê Central Esperantista, eleito pelos esperantistas de todo o mundo nos congressos internacionais esperantistas. Todas as decisões do Comitê Central, tocantes às perguntas de dúvidas sobre a língua, são obrigatórias para todos os usuários da língua Esperanto; todas as decisões, tocantes à maneira de ação prática, são obrigatórias apenas para as pessoas que desejam pertencer à ativa organização esperantista.


# era seguinte o último parágrafo:

7. Para facilitar aos iniciantes esperantistas a escolha de livros confiáveis e guardá-los contra o uso de livros que instruem a língua totalmente errada, está editada uma série de livros que portam em si a aprovação do autor da língua. Esta aprovação, no entanto, tem apenas o significado de conselho para os iniciantes, mas ela não tem em si nada obrigatório. Cada esperantista pode livremente usar todo livro ou periódico que ele desejar.

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C - Extração de uma carta privada de L. Zamenhof a Nikolai Afrikanovitch Borovko (1895)

(Impressa com permissão de ambos os correspondentes. Vladimir Gernet traduziu do russo para o esperanto. O texto apareceu em "Lingvo Internacia" (Língua Internacional), nº 6-7, páginas 115-119. Embora V. Gernet foi indicado como o tradutor, certamente o próprio Zamenhof revisou o texto.)

... O senhor me pergunta: como apareceu em mim a idéia de criar uma língua internacional e como foi a história da língua esperanto do momento de seu nascimento até hoje? Toda a história pública da língua, isso é, começando do dia em que saí abertamente com ela, é ao senhor mais ou menos conhecida; aliás, por muitas causas, é ainda inoportuno tocar neste período da língua; por isso, vou contar ao senhor, em traços comuns, somente a história do nascimento da língua.

Será difícil para mim contar ao senhor tudo isto em detalhes, pois muita coisa eu mesmo já esqueci: a idéia à qual dediquei toda a minha vida para sua efetivação apareceu em mim - é engraçado dizê-lo - na mais tenra infância e, a partir deste tempo, nunca me abandonou; eu vivi com ela e nem posso me imaginar sem ela. Esta circunstância esclarecerá ao senhor em parte porque eu trabalhei sobre ela com tanta obstinação e porque eu, apesar de todas as dificuldades e da amargura, não abandonei essa idéia, tal como muitos outros fizeram tendo trabalhado no mesmo campo.

Nasci em Bialystok, província de Grodno. Este lugar de meu nascimento e de meus anos infantis deu a direção a todos os meus objetivos futuros. Em Bialystok, a população é formada de quatro elementos distintos: russos, poloneses, alemães e judeus; cada um desses elementos fala uma língua própria e se relaciona sem amizade com os outros elementos. Em tal cidade, mais do que em qualquer outro lugar, a natureza impressionante sente a pesada infelicidade da diversidade lingüística e se convence a cada passo de que a diversidade de línguas é a única, ou ao menos a principal causa que dispersa a família humana e a divide em partes inimigas. Fui educado como um idealista; ensinaram-me que todos os homens são irmãos e, enquanto isso, na rua e no quintal, a cada passo tudo me fazia sentir que os homens não existem: existem somente russos, poloneses, alemães, judeus etc. Isto sempre atormentava fortemente minha alma infantil, embora muitos possivelmente rirão desta "dor pelo mundo" na infância. Por então me parecer que os "adultos" possuíam uma espécie de força toda-poderosa, eu constantemente repetia a mim mesmo que, quando eu fosse adulto, sem falta afastaria esse mal.

É claro que pouco a pouco eu me convencia de que nem tudo se faz tão fácil como parece a uma criança; fui jogando fora diversas utopias de criança, uma após a outra, e só o sonho por uma língua humana nunca pude jogar fora. De um modo confuso, eu de certa forma me atirei a ele, embora, é claro, sem quaisquer planos definidos. Não me lembro quando, mas em toda a ocasião, suficientemente cedo se formava em mim a consciência de que a língua única só pode ser neutra, não pertencendo a nenhuma das nações hoje vivas. Quando passei da escola real de Bialystok (ela ainda era ginásio) para o segundo ginásio clássico de Varsóvia, fui durante algum tempo seduzido por línguas antigas e sonhava em um dia viajar pelo mundo inteiro e, com discursos flamejantes, inclinaria os homens a reviver uma dessas línguas para uso comum. Posteriormente, já não lembro quando, cheguei a uma firme convicção de que isto era impossível, e comecei a sonhar ocultamente com uma língua nova e artificial. Então, freqüentemente começava alguns testes, elaborava riquíssimas declinações e conjugações artificiais. Mas uma língua humana com sua infinita, como me pareceu, pilha de formas gramaticais, com suas centenas de milhares de palavras, com as quais os grossos dicionários me atemorizavam, pareceu-me uma máquina tão artificial e colossal, que não foi só uma vez que eu dizia a mim mesmo: "Fora, sonhos! Este trabalho não está conforme às forças humanas!", e todavia eu sempre voltava ao meu sonho.

Eu aprendi alemão e francês na infância, quando ainda não se pode comparar e fazer conclusões; mas estando na 5.ª série do ginásio, quando comecei a aprender inglês, a simplicidade de sua gramática lançou-se em meus olhos, principalmente graças à íngreme passagem através dela das gramáticas latina e grega. Então, notei que a riqueza de formas gramaticais é apenas um cego acaso histórico, mas não é necessária à língua. Sob tal influência, comecei a vasculhar a língua e retirar as formas desnecessárias, e notei que a gramática sempre mais e mais degelava em minhas mãos, e logo cheguei à menor gramática possível, que ocupava, sem ser inútil à língua, não mais do que algumas páginas. Então, comecei mais seriamente a abandonar o meu sonho. Mas ainda os léxicos gigantes nunca me deixavam tranqüilo.

Uma vez, quando eu estava na 6.ª ou 7.ª série do ginásio, eu por acaso desviei a atenção à inscrição "Shveytsarskaya" (portaria), que eu já tinha visto muitas vezes, e depois à tabuleta "Konditorskaya" (doceria). Este "skaya" despertou-me interesse e mostrou-me que os sufixos dão a possibilidade de se fazer, de uma palavra, outras palavras que não precisam ser aprendidas separadamente. Este pensamento me possuiu por inteiro, e subitamente senti o chão sob os pés. Sobre os terríveis léxicos gigantes caiu um raio de luz, e eles rapidamente começaram a encolher diante dos meus olhos.

"O problema está resolvido!" - então eu disse. Eu captei a idéia dos sufixos e comecei a a trabalhar bastante nesta direção. Eu compreendi que grande significado pode ter para uma língua criada conscientemente o uso pleno dessa força, cuja eficácia nas línguas naturais é pouca, cega, irregular e incompleta. Comecei a comparar palavras, procurar entre elas relações constantes e definidas, e todo dia eu retirava do vocabulário uma nova série enorme de palavras, substituindo este colosso por um sufixo que significava uma certa relação. Então, notei que uma pilha muito grande de palavras puramente radicais (ex.: "mãe", "estreito", "faca" etc.) podiam ser facilmente transformadas em palavras compostas, formadas [em Esperanto, "patrino", "mallarĝa", "tranĉilo"], e desaparecer do léxico. A mecânica da língua estava diante de mim como que sobre as palmas das mãos, e já começava agora a trabalhar regularmente, com amor e esperança. Logo depois eu já tinha escrita toda a gramática e um pequeno dicionário.

A propósito, aqui eu direi algumas palavras sobre o material para o vocabulário. Muito antes, quando eu procurava e descartava tudo de inútil da gramática, eu quis usar os princípios da economia também para as palavras e, convencido de que tanto faz que forma terá essa ou aquela palavra se somente concordarmos que ela expressa a idéia dada, simplesmente inventava palavras, penando para que elas fossem as mais curtas possíveis e não tivessem um número desnecessário de letras. Eu disse a mim mesmo que ao invés de usar palavras de 11 letras, como "interparoli" [conversar], podemos muito bem expressar a mesma idéia, por exemplo, com uma de 2 letras, como "pa". Por isso, simplesmente escrevia a série matemática dos conjuntos de letras mais curtos, mas facilmente pronunciáveis, e a cada um eu dava o significado de uma palavra definida (ex.: a, ab, ac, ad, ... ba, ca, da, ... e, eb, ec, ... be, ce, ... aba, aca, ... etc.). Mas eu logo descartei essa idéia, pois os testes feitos comigo mesmo me mostraram que tais palavras inventadas são muito difíceis de ser aprendidas e ainda mais difíceis de ser memorizadas. Então, já me convencia de que o material para o léxico deveria ser latino-germânico, sendo mudado só o quanto pedissem a regularidade e outras condições importantes da língua. "Já estando sobre esta terra", logo notei que as línguas modernas possuem uma enorme provisão de palavras prontas já internacionais, que são conhecidas por todos os povos e constituem um tesouro para uma futura língua internacional - e obviamente me utilizei desse tesouro.

No ano de 1878, a língua já estava mais ou menos pronta, embora entre a então "lingwe uniwersala" e o atual esperanto ainda havia uma grande diferença. Eu a divulguei entre meus colegas (eu então estava na 8.ª série do ginásio). A maioria deles foi seduzida pela idéia e pela incomum facilidade da língua, o que os percurtia, e começaram a aprendê-la. Em 5 de dezembro de 1878, nós todos solenemente festejamos juntos a santificação da língua. Durante esta festa, houve discursos na nova língua, e com entusiasmo cantamos o hino, cujas palavras iniciais eram as seguintes:

"Malamikete de las nacjes / Kadó, kadó, jam temp' está! / La tot' homoze in familje / Konunigare so debá."
("Inimizade entre as nações / Caia, caia, já é tempo! / Toda a humanidade, em uma só família, / Deve se unir").

Sobre a mesa, além da gramática e do dicionário, repousavam algumas traduções na nova língua.

Assim se encerrou o primeiro período da língua. Então, eu ainda era muito jovem para sair publicamente com meu trabalho, e eu decidi esperar ainda 5, 6 anos e, durante esse tempo, cuidadosamente testei a língua e plenamente a trabalhei na prática. Meio ano depois da festa de 5 de dezembro, acabamos o curso ginasial e nos dispersamos. Os futuros apóstolos da língua experimentaram falar um pouco da "nova língua" e, deparando-se com as zombarias dos adultos, eles logo se apressaram em desconfessar a língua, e eu fiquei totalmente só. Prevendo só zombarias e perseguições, decidi esconder meu projeto de todos. Durante 5 anos e meio de minha permanência na universidade, nunca falava com ninguém sobre meu trabalho. Este tempo foi muito difícil para mim. A "clandestinidade" me atormentava; obrigado a cuidadosamente esconder meus pensamentos e planos, quase não permanecia em nenhum lugar, não participava de nada, e a mais bela época da vida - os anos de estudante universitário - foram para mim os mais tristes. Às vezes eu tentava me distrair na sociedade, mas me sentia como um estranho, suspirava e ia embora, e de tempos em tempos acalmava meu coração com algum poema na língua trabalhada por mim. Mais tarde, coloquei um desses poemas ("Meu pensamento") na primeira brochura editada por mim; mas aos leitores que não sabiam em que circunstâncias este poema foi escrito, ele obviamente aparenta ser estranho e incompreensível.

Durante seis anos trabalhei aperfeiçoando e testando a língua, - e eu tinha trabalho suficiente, embora no ano de 1878 me parecia que a língua já estava totalmente pronta. Fiz muitas traduções para minha língua, escrevi nelas obras originais e vários testes me mostraram que o que me parecia totalmente pronto na teoria, ainda não estava pronto na prática. Tive que esculpir, substituir, corrigir e transformar radicalmente muita coisa. Palavras e formas, princípios e exigências impeliam e atrapalhavam uns aos outros, enquanto na teoria, tudo separadamente e em pequenos testes, eles me pareciam totalmente bons. Tais objetos, como a preposição universal "je" [usada quando nenhuma das outras consegue expressar o sentido desejado], o verbo elástico "meti" [pôr, colocar, meter], a terminação neutra mas definida "aŭ" etc. provavelmente nunca mergulhariam teoricamente na minha cabeça. Algumas formas, que para mim pareciam uma riqueza, agora mostraram-se, na prática, um peso morto inútil; assim, por exemplo, eu tive que jogar fora alguns sufixos desnecessários. No ano de 1878, parecia-me que, para a língua, era suficiente ter gramática e léxico; eu atribuía a sobrecarga e a deselegância da língua somente ao fato de que eu ainda não a dominava bem o suficiente; então, a prática sempre mais e mais me convencia de que a língua ainda precisava de uma espécie de um "algo" incaptável, o elemento de coligação que dava à língua vida e um "espírito" definido, totalmente formado. (O desconhecimento do espírito da língua é a causa pela qual alguns esperantistas, que leram muito pouco na língua esperanto, escrevem sem erros, mas em um estilo pesado, desagradável - enquanto os esperantistas mais experientes escrevem num estilo bom e totalmente idêntico, qualquer que seja a nação à qual eles pertençam. Sem dúvida, com o tempo, o espírito da língua, embora aos poucos e imperceptivelmente, mudará muito; mas se os primeiros esperantistas, pessoas de diversas nações, não encontrassem na língua um espírito fundamental todo definido, cada um começaria a puxar para seu lado e a língua permaneceria eternamente, ou ao menos durante um tempo muito longo, uma coleção de palavras desgraciosa e sem vida). Então, comecei a evitar traduções literais dessa ou daquela língua e me esforcei em pensar diretamente na língua neutra. Depois, notei que a língua, nas minhas mãos, já deixava de ser uma sombra sem fundamentos dessa ou daquela língua, com a qual eu tive o trabalho nesse ou naquele minuto, e recebia seu prórpio espírito, sua própria vida, a própria fisionomia definida e claramente expressa, já independente de qualquer tipo de influência. A fala já fluía sozinha, flexível, graciosa e totalmente livre, como uma língua materna viva.

Por um longo tempo, uma circunstância ainda me fazia adiar minha saída pública com a língua: durante um longo tempo, um problema não ficou resolvido, e que tem um enorme significado para uma língua neutra. Eu sabia que todos me diriam: "Sua língua só será útil para mim quando o mundo inteiro a aceitar; por isso, não posso aceitá-la até que o mundo inteiro a aceite". Mas porque o "mundo" não é formado sem "unidades" antes separadas, a língua neutra não podia ter futuro até que conseguisse tornar-se útil para cada pessoa à parte, independentemente se já é uma língua aceita ou não pelo mundo. Fiquei muito tempo pensando nesse problema. Finalmente, os chamados "alfabetos secretos", que não exigem que o mundo os aceite de antemão e dão a um destinatário totalmente desinformado a possibilidade de entender tudo o que você escreveu somente se você lhe passa a "chave" com os significados, conduziu-me a pensar em arranjar também a língua aos modos de tal "chave", que, contendo em si não somente todo o léxico, mas também toda a gramática de elementos separados, totalmente independentes e ordenados em ordem alfabética, daria a possibilidade do destinatário/leitor totalmente desinteressado, de qualquer nação, compreender imediatamente sua carta.

Terminei a universidade e comecei minha prática médica. Agora, já começava a pensar na saída pública com meu trabalho. Aprontei o manuscrito da minha primeira brochura ("Dr. Esperanto - Uma língua internacional: Prefácio e manual completo") e comecei a procurar um editor. Mas pela primeira vez, eu aqui encontrei a amarga prática da vida, a demanda financeira com a qual, posteriormente, ainda devia, e devo batalhar muito fortemente. Durante dois anos, em vão procurei um editor. Quando eu já tinha encontrado um, ele aprontou minha brochura para edição durante meio ano e, ao fim, recusou. Finalmente, depois de longos esforços, eu mesmo consegui editar minha primeira brochura em julho do ano de 1887. Antes disso, eu estava muito excitado; eu sentia que estava diante do Rubicão (1) e que do dia em que aparecesse minha brochura, eu já não teria a possibilidade de regressar; eu sabia que sorte esperava um médico que depende do público, se este público via nele um fantasioso, um homem que se preocupa com "causas apensas"; eu sentia que colocava sobre o cartão toda a tranqüilidade futura e as existências minha e de minha família; mas eu não podia deixar a idéia que adentrou meu corpo e meu sangue, e... eu atravessei o Rubicão (1).

Lázaro Luís Zamenhof

(1) "Atravessar o Rubicão": frase que se costuma proferir, quando se toma uma decisão arrojada e decisiva, em referência a um pequeno rio que separava a Itália da Gália Cisalpina.

Traduzido ao português por Erick Fiszuk (disponível na Fonte 4 abaixo)

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D - Carta Circular a todos os esperantistas (Varsóvia, 18 de Janeiro de 1908)

No ano de 1900, quando a essência do assunto da língua internacional era ainda pouco conhecida demais e o mundo pensava que existiam várias línguas internacionais que batalhavam entre si, os senhores Couturat e Leau em Paris fundaram uma "Delegação", cujo objetivo era: pedir à Liga Internacional de Academias que se estudasse qual das línguas artificiais existentes servem melhor para o papel de língua internacional, ou mesmo escolher um comitê que estudasse essa questão. Ainda que desde o ano de 1900 até agora a vida mesmo já solucionou a dita questão, todavia, para cumprir sua promessa, em outubro de 1907 a Delegação convocou um comitê que deveria eleger uma língua internacional. Mas infelizmente os membros do comitê não entenderam exatamente a sua tarefa e, tendo escolhido o Esperanto, decidiram fazer reformas nele, esquecendo que tal tarefa absolutamente não foi nem nunca poderia ser entregue a eles. Esta decisão muito lamentável foi causada por alguns desentendimentos muito graves:

1) Se esqueceu que o assunto da língua internacional está agora em estado de propaganda; que o mundo não aceita uma língua internacional não por uns ou outros detalhes seus, mas apenas por desconfiança pelo assunto inteiro; que, por conseguinte, agora cada amigo verdadeiro da língua internacional deve absolutamente se silenciar de seus gostos e preferências pessoais e nós todos devemos, antes de tudo, trabalhar na mais severa unidade, para que nós adquiramos a confiança do mundo para o nosso assunto. Quando o nosso assunto for assumido pelas mãos de algum tipo de grande força (como os governos das principais nações) que por seu poder poderá dar a nós não umas promessas sem valor de palavras presunçosas, mas sim a plena garantia de que ela conduzirá o nosso assunto ao objetivo com mais certeza do que nós e que ela não fará de qualquer jeito alguns tipos de decisões antes delas serem planejadas e testadas e fixadas na prática com total naturalidade e perfeição, então nós podemos confiantemente entregar o nosso assunto a essa poderosa força; mas se pessoas particulares que não têm nenhum tipo de autoridade nem força exigem que nós abandonemos o caminho que nós pacientemente e com sucesso seguimos no decorrer de muitos anos e que nós comecemos os experimentos de mais perigoso rompimento, todos os verdadeiros esperantistas energicamente protestarão. Agora que nós somos ainda fracos demais, nós podemos atingir o nosso objetivo apenas através de disciplina severa e unidade absoluta; de outro modo nós estragaremos todo o nosso assunto para sempre, para sempre; pois quem sabe com qual grandíssima dificuldade e através de qual trabalho de vinte anos com paciência sobre-humana de muitos milhares de pessoas está atingido a atual relação favorável do mundo com o nosso assunto, essa pessoa entende que se, por conflito interno, o Esperanto perecesse agora, o mundo já nunca, nunca quererá ouvir algo sobre algum tipo de língua internacional nova, até mesmo se ela fosse não um produto teórico sem vida de muitas cabeças distantes umas das outras e sim a criação mais genial ! Eu repetidamente lembro isto aos reformistas, eu repetida e insistentemente peço a eles que pensem sobre o que eles fazem, que eles não arruínem esse assunto grande e importante para o qual nós todos trabalhamos e por cujo possível estrago os descendentes um dia nos julgariam severamente.

2) Se esqueceu que não somente até em sua forma atual o Esperanto na prática se mostra perfeitamente útil para o seu papel e que uma melhoria pode se tornar um inimigo perigoso do que é bom, mas que se aparecesse efetivamente até mesmo a necessidade de melhorar o Esperanto, não têm a única competência e direito para isto umas pessoas em especial, mas apenas os próprios esperantistas. E em cada momento em que as melhorias se mostrarem efetivamente necessárias e oportunas, os esperantistas facilmente podem efetivá-las. Pois cada narração sobre algum tipo de barreira que a Declaração de Boulogne-sur-Mer estaria apresentando, ou sobre a fictícia falta de força e vida de nosso Comitê Lingüístico, é uma simples mentira pela qual alguém se esforça em amedrontar para longe de nós essas pessoas que não conhecem bem o estado das coisas.

Quem leu o prefácio do "Fundamento de Esperanto" sabe muito bem que ele não somente não apresenta nenhuma barreira contra a evolução da língua, mas pelo contrário, dá para a evolução tamanha grandíssima liberdade que nenhuma outra língua um dia possuiu ao menos em parte. Ele dá a possibilidade, caso fosse necessária, de pouco a pouco até mesmo mudar toda a língua até estar plenamente irreconhecível. O único objetivo que o Fundamento possui é apenas: guardar a língua contra a anarquia, contra reformas arbitrárias e pessoais, contra um rompimento perigoso, contra a rejeição de antigas formas antes de as novas serem suficientemente testadas e totalmente aceitas sem disputas e definitivamente. Se os esperantistas até o momento muito pouco fizeram uso dessa grande liberdade que o Fundamento dá a eles, não é culpa do Fundamento, mas isso vem do fato que os esperantistas entendem muito bem que uma língua que deve abrir para si o caminho não por meio de algum decreto poderoso, mas por meio de trabalhos contínuos das massas, pode desenvolver-se apenas através do cauteloso caminho da evolução natural, mas ela logo morreria caso se quisesse desenvolvê-la através do caminho antinatural e perigosíssimo da revolução.

Além disso, se a Declaração de Boulogne-sur-Mer efetivamente apresentasse algum tipo de coisa ruim ou imprecisa, o que então impede que alguém proponha a sua mudança ou mesmo sua total retirada ? Sim, esses senhores que sob a influência de agitadores dizem que o "Fundamento" apresenta "uma eterna barreira contra a evolução do Esperanto" falam sobre um assunto o qual eles totalmente desconhecem !

Como o Comitê Lingüístico até agora não fez ainda nenhum rompimento na língua, portanto os reformistas o culpam de ser sem vida, sem força, sem autoridade, sem utilidade ! Mas se ele é ruim, o que então impede que os próprios esperantistas o reorganizem ? Ao invés de semear descontentamento, conflito e rebelião, não seria melhor se um dos inimigos do atual Comitê Lingüístico apresentasse um projeto de reorganização deste comitê ? Se o projeto for bom, ele com certeza será aceito; eu posso até fazer os descontentes saberem que o próprio presidente do Comitê prepara agora um projeto de reorganização, o qual ele pretende apresentar ao próximo congresso. Pelo caminho da paz e da harmonia nós podemos criar tudo, pelo cainho do conflito e rebelião nós apenas destruiremos tudo.

Para fazer reformas no Esperanto, o "Comitê da Delegação" recebeu uma comissão nem de esperantistas nem de seus próprios delegadores (que não somente não deram, mas nem mesmo podiam dar tal estranha comissão); as suas próprias e por ninguém autorizadas exigências de reformas - as quais se apoiaram sobre vozes cuidadosamente retiradas de algum número de descontentes, mas totalmente ignorou a opinião de muitas dezenas de milhares de pessoas que são contra todas mudanças - foram apresentadas pelo Comitê da Delegação ao conjunto de esperantistas em uma forma muito ofensiva, exigindo que todos os milhares de esperantistas que tem trabalhado há muito tempo aceitem as decisões que algumas pessoas em separado elaboraram no decorrer de 8 a 10 dias; eles até mesmo sem humildade exigiram que essas decisões sejam aceitas logo, sem esperar o Congresso esperantista; portanto, a única resposta que nós devemos dar aos que exigem é a recusa simples e completa. Mas como se encontravam pessoas que através de todos os meios possíveis começaram uma grande e ágil agitação entre todos os esperantistas, se empenhando com todas as forças em arruinar a harmonia que até então reinava entre nós, se empenhando em semear conflito e descontentamento e fazer cada um à parte crer que todos exigem reformas, apenas os principais contrariam; e como nós entendemos muito bem como pode se tornar arruinador para o nosso assunto todo o tipo de cisma e conflito público, principalmente se este for inveridicamente apresentado ao público que não sabe de nada como "desejo de muitas sociedades"; portanto nós no decorrer de três meses fizemos tudo que pudemos para silenciar os rebeldes por algum tipo de maneira pacífica. Nós correspondemos muito com eles, nos empenhando em esclarecer a eles quão perigosíssima a ação deles é para esse assunto, do qual eles se dizem amigos; nós apresentamos a questão para a votação de todos os membros do Comitê Lingüístico; e quando o Comitê Lingüístico recusou a aceitar suas reformas estranhas e grandes demais, até mesmo decidimos que nós próprios em nosso próprio nome apresentaremos aos esperantistas suas exigências mais principais, ainda que nós completamente não vejamos nelas algum tipo de coisa necessária; mas nós apenas desejamos que tudo seja feito sem rompimento, por um caminho conforme a lei; que até o aceitamento em comum, as novas formas sejam observadas não como obrigatórias, mas apenas como permitidas, e elas recebam força apenas quando o Comitê Lingüístico lhes aprovar e o Congresso esperantista dar a elas a sua sanção.

Mas todos os nossos esforços de apaziguamento em nada ajudaram. Os que exigem responderam, que para eles não há autoridade no nosso Comitê Lingüístico, nem no nosso Congresso, e eles reservam para si a plena liberdade de ação.

Então nós fomos obrigados a romper toda a negociação e fazer saber que o "Comitê da Delegação" para nós não existe mais. Conforme o próprio programa totalmente preciso da "Delegação", o Comitê recebeu de seus delegadores o encargo de apenas escolher uma língua; desde o momento em que essa escolha foi feita, o "Comitê da Delegação" cessou de existir e restaram apenas algumas pessoas particulares que - conforme suas próprias palavras - se tornaram agora esperantistas. Mas logo quando esses poucos novos esperantistas que se filiaram ao Esperanto apenas há poucas semanas começaram a desejar ditar as leis para todo o povo esperantista que trabalha já faz mais de vinte anos, e todas as nossas exortações em nada ajudaram, então nós simplesmente os deixamos de lado.

Nós estamos convencidos de que esses poucos cientistas que se deixaram capturar na rede em breve entenderão o erro que eles fizeram; eles em breve compreenderão que o nosso importantíssimo e dificílimo assunto pode chegar ao seu objetivo apenas através de uma severa unidade; e pelo bem da sua amada idéia eles em breve associarão disciplinadamente as suas forças a essa grande tropa comum que, sem ambições pessoais, em plena harmonia e com sucesso sempre crescente pacientemente trabalha já por tanto tempo. Como até agora, assim também mais, nós, esperantistas, iremos tranqüilamente no nosso caminho.

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E - Declaração sobre o homaranismo (Varsóvia, Maio de 1913)

(Proposta particular não-obrigatória para o homaranismo)

Prefácio

A Declaração aqui dada apresenta minha crença político-religiosa.

Já que se conhece a mim como o autor do Esperanto, por isso muitas pessoas talvez relacionarão o homaranismo com o Esperanto ou com a assim chamada "idéia interna do esperantismo" - isso no entanto seria um erro. Enquanto a essência do Esperanto é a plena neutralidade e a idéia do esperantismo apresenta apenas um indefinido sentimento de fraternidade e esperança, os quais são gerados naturalmente pelo encontro mútuo sobre um fundamento lingüístico neutro e pelos quais cada esperantista tem o pleno direito, não somente de comentar para si do modo que ele quiser, mas até mesmo aceitá-la ou não no geral - o homaranismo é um programa político-religioso especial e totalmente definido, o qual apresenta minha crença puramente particular e totalmente não diz respeito aos outros esperantistas.

Eu prevejo muito bem que os inimigos do Esperanto usarão a minha declaração sobre o homaranismo como instrumento de batalha contra o Esperanto, e minha puramente particular lista de princípios será apresentada so mundo por eles como conjunto de regras obrigatórias para todos os esperantistas. Isto é a causa pela qual eu durante tão longo tempo tive a intenção ou de totalmente não publicar a minha crença, ou publicá-la anonimamente. Mas eu joguei fora essa intenção, pois eu achei que isso seria uma falta de coragem imperdoável. Entretanto, para libertar totalmente os esperantistas de todo o tipo de suspeitável solidariedade com minhas particulares convicções políticas e religiosas, eu durante o oitavo congresso universal de Esperanto publicamente retirei de mim todo o tipo de papel oficial nos assuntos do Esperanto.

Não para o objetivo de propaganda é que eu publico agora a minha crença; eu simplesmente desejo que os meus amigos conheçam a minha crença, para que minha relação com essa ou aquela questão política ou religiosa não lhes faça admirar, e para que as pessoas que têm os mesmos princípios que eu saibam que nós somos partidários dos mesmos princípios.

Varsóvia, Maio de 1913.

L. L. Zamenhof

Declaração sobre o Homaranismo

Eu sou homarano: isso significa que eu me guio na vida através dos seguintes princípios:

I.
Eu sou uma pessoa, e eu vejo toda a humanidade como uma só família; eu vejo a divisão da humanidade em diversos povos e comunidades religiosas reciprocamente inimigos como uma das maiores infelicidades que mais cedo ou mais tarde devem desaparecer e cujo desaparecimento eu devo apressar segundo o meu poder.

II.
Eu vejo em cada pessoa apenas uma pessoa, e eu avalio cada pessoa apenas conforme suas ações e valor pessoais. Todo o tipo de ofensa ou opressão de uma pessoa por que ele pertence a outro povo, língua, religião ou classe social que não a minha, eu vejo como uma barbaridade.

III.
Eu estou consciente de que cada país pertence não a esse ou aquele povo, mas plenamente com iguais direitos a todos os seus habitantes, tenham eles qualquer tipo de origem admitida, língua, religião ou papel social que seja; a identificação dos interesses da nação com os interesses desse ou de outro povo ou religião e a pretensão de alguns direitos históricos que permitem a um povo na nação dominar sobre os outros povos e negar a eles o mais elementar e natural direito à pátria, eu vejo isso como uma sobra dos tempos bárbaros, quando existia apenas direito de punho e espada.

IV.
Eu tenho consciência de que cada reino e província deve portar um nome neutralmente geográfico, mas não o nome de algum tipo de povo, língua ou religião, pois os nomes de povos os quais ainda muitos países do velho continente têm são a principal causa pela qual os habitantes de uma origem se vêem como senhores sobre os habitantes de outra origem. Até o tempo em que esses países receberem nomes neutros, eu devo ao menos no bate-papo com meus copartidários chamar esses países conforme suas capitais com a adição das palavras "reino", "província" etc.

V.
Eu tenho consciência que em sua vida particular cada pessoa tem pleno e indiscutível direito de falar tal língua ou dialeto que é mais agradável a ele, e confessar tal religião que mais lhe deixa contente, mas ao se comunicar com pessoas de outras línguas ou religiões ele deve se esforçar em usar uma língua neutra e viver conforme a ética e morais neutras. Eu tenho consciência de que para pessoas do mesmo reino ou cidade o papel de língua neutra pode ser da língua do reino ou dessa língua cultural que é falada pela maioria dos habitantes locais, mas que isso deve ser visto como apenas uma concessão oportunista da minoria à maioria, mas não como algum tipo de tributo humilhante que os povos dominados devem aos dominadores. Eu tenho consciência que em tais locais onde diversos povos batalham entre si, é digno de se desejar que nas instituições públicas seja usada uma língua neutralmente humana, ou que ao menos além dos centros culturais nas línguas dos povos existam lá também escolas especiais e instituições culturais com uma língua neutralmente humana, para que todos os que desejam possam absorver uma cultura e educar suas crianças de uma forma neutralmente humana sem chauvinismo.

VI.
Porque eu tenho consciência de que o conflito recíproco entre os homens nunca cessarão até os homens se acostumarem a levantar o nome "homem" mais alto do que o nome do povo, e porque a palavra imprecisa demais "povo" sempre dá motivo ao chauvinismo nacional, disputas e más utilizações e sempre divide com ódio entre si os filhos do mesmo país ou até do mesmo povo, por isso à pergunta sobre qual povo eu credito para mim eu respondo: eu sou homarano; apenas quando alguém pergunta a mim especialmente sobre meu reino, província, língua, origem ou religião, eu dou respostas precisas sobre isso.

VII.
Eu chamo de minha terra paterna aquela nação na qual eu nasci; eu chamo de minha terra-lar aquela nação na qual eu sou habitante constante, de moradia fixa. Mas visto que pela indefinição da palavra "terra" as palavras "terra paterna" e "terra-lar" são imprecisas e freqüentemente causam disputas e conflito e divide entre si com inimizade os filhos do mesmo pedaço de terra, portanto em todas as circunstâncias duvidosas eu evito essas palavras imprecisas e uso ao invés delas as palavras mais precisas "reino pátrio", "região pátria", "cidade pátria", "reino-lar", "região-lar", "cidade-lar".

VIII.
Eu chamo de patriotismo o serviço ao bem de todos os que moram na minha mesma terra, tenham eles qualquer origem, língua, religião ou papel social que seja. Ao serviço especialmente aos interesses de um povo ou ao ódio contra pessoas de outras terras eu nunca devo chamar de patriotismo. Eu tenho a consciência de que um profundo amor à sua pátria e ao seu lar é uma coisa totalmente natural e comum a todos os homens, e apenas circunstâncias anormais externas podem paralisar por completo esse sentimento natural. Assim se em meu lar todos os trabalhos são explorados para a oportunidade ou glória de um povo especial e isso paralisa meu entusiasmo para o trabalho social, ou mesmo me obriga a sonhar com outra pátria, eu não devo estar sem esperança, mas eu devo me consolar pela crença de que o anormal estado no meu lar mais cedo ou mais tarde passará e meus filhos ou netos plenamente desfrutarão desse entusiasmo fortalecedor que em mim a injustiça dos meus conterrâneos paralisou.

IX.
Tendo a consciência de que uma língua deve ser para o homem não um objetivo mas apenas um meio, não um divisor mas um unificador, e que o chauvinismo lingüístico é uma das principais causas do ódio entre os homens, eu nunca devo ver como coisa sagrada minha uma língua ou dialeto de um povo, de que modo eu a amasse, nem fazer dela o meu estandarte de batalha. Quando me perguntam especialmente pela minha língua paterna, eu assim chamo sem chauvinismos essa língua ou dialeto no qual eu em minha infância falei com meus pais; quando me perguntam especialmente pela minha língua pessoal, eu - me guiando por nenhuma espécie de considerações de chauvinismo - assim chamo essa língua a qual eu pessoalmente melhor possuo ou com mais vontade uso; mas qualquer tipo que seja a minha língua paterna ou pessoal, eu devo possuir também essa língua neutralmente humana que meu contemporâneos usam para relações entre povos, para que eu não precise por minha culpa impor a outros a minha língua e para que eu tenha o direito moral de desejar que os outros não me imponham a sua, e para que eu possa numa base sem chauvinismo servir à cultura neutralmente humana.

X.
Tendo consciência de que a religião deve ser apenas questão de crença sincera, mas não ter o papel de divisor hereditário de povos, eu chamo de minha religião apenas aquela religião ou sistema substituidor de religião na qual eu creio efetivamente. Mas seja de que espécie minha religião for, eu a confesso conforme os princípios neutralmente humanos "homaranos" que consistem no seguinte:
a) A mais alta Força para mim incompreensível que é a causa das causas no mundo material e moral, eu a posso chamar pelo nome "Deus" ou por outro nome, mas eu estou consciente de que todos têm o direito de apresentar para si a essência dessa Força do modo que a sua prudência e coração ou as instruções de sua igreja dizem a ele. Nunca eu devo odiar ou perseguir alguém por causa de que sua crença em Deus é diferente da minha.
b) Eu tenho consciência de que a essência das verdadeiras ordens religiosas repousam no coração de cada homem sob a forma de consciência e que o principal princípio obrigatório dessas ordens para todos os homens é: aja com os outros da forma que você desejaria que os outros agissem com você; eu vejo tudo a mais na religião como anexos, os quais misturados com lendas grandes instrutores de diversos povos da humanidade deram a nós, e como morais, as quais foram erguidas por homens e cujo cumprimento ou não dependem de nossa vontade.
c) Se eu não creio em nenhuma das religiões de revelação existentes, eu não devo ficar em alguma delas somente por motivos étnicos e pela minha permanência fazer pessoas errarem sobre minhas convicções e hereditariamente nutrir através de gerações em fim um cisma entre a etnia, mas eu devo - caso as leis da minha terra permitem - aberta e oficialmente me chamar de "crente livre", entretanto não identificando a livre crença especialmente com o ateísmo, mas reservando à minha crença a plena liberdade. Quando no meu lugar de moradia existir, organizada em consentimento comum e de forma plenamente ordenada, uma comunidade de livres crentes do mesmo povo e sem doutrina, à qual eu posso me afiliar com plena satisfação para a minha consciência e para as necessidades do meu coração, então - para fixar rígida e precisamente minha neutralidade religiosa e salvar minha posteridade da falta de programas e conseqüentemente da recaída no chauvinismo étnico-religioso - eu devo me afiliar à essa comunidade de livre crença de forma totalmente oficial e herdável e aceitar para mim seu nome neutro, seus eventos comunitários, suas festas e morais neutralmente humanas não-obrigatórias, seu calendário neutralmente humano, etc.; até esse tempo eu posso permanecer oficialmente inscrito a essa religião na qual eu nasci, mas eu devo sempre adicionar ao seu nome a palavra "livre crente", para mostrar que eu me somo a ela apenas provisoriamente, conforme a moral e de forma administrativa.

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F - Projeto de princípios fundamentais para a religião neutralmente humana (1914)

(Proposta privada não-obrigatória para o homaranismo)

1. Através do nome "Deus" eu chamo essa mais alta Força incompreensível para mim, que rege o mundo material e moral; mas eu tenho o direito de apresentar para mim a essência dessa Força do modo que a minha prudência e coração dizem a mim. Nunca eu devo odiar, ofender, pressionar ou zombar de alguém por causa de que sua crença em Deus é diferente da minha.

2. Eu tenho consciência de que as verdadeiras ordens de Deus repousam no coração de cada homem sob a forma de consciência e que o principal princípio obrigatório dessas ordens para todos os homens é: aja com os outros da forma que você gostaria que os outros agissem com você; eu vejo tudo a mais na religião como comentários, os quais, misturados com lendas fantasiosas, grandes instrutores de diversos povos da humanidade deram a nós, ou como morais, as quais são introduzidas por homens para trazer para dentro da vida um programa definido, e cujo cumprimento ou não depende do meu desejo.

3. Como a voz da consciência é bem audível apenas quando a gente a exercita, por isso eu estou consciente de que é desejável que no meu lugar de moradia exista um templo neutralista, aonde todos os que desejam poderia sem nenhuma obrigação se reunir periodicamente, para lá exercitar sua consciência, explicar para si suas diversas dúvidas, educar o coração e a consciência de suas crianças, solenizar os mais importantes momentos de sua vida e buscar consolo para seu coração caso algo o atormenta.

4. Tendo consciência de que nada tão forte e infinitamente hereditário divide os homens como a diferença das morais étnico-religiosas, e que um rejeição sem programas dessas morais não pode unir os homens que desejam unidade, mas apenas a substituição das morais étnicas ou doutrinas disputáveis através de morais neutras aceitas e herdáveis, eu devo pertencer à religião neutralista em forma plena e totalmente oficial, e aceitar para mim essas regras neutralmente humanas, festas e morais não-obrigatórias, calendário e eventos comunitários, os quais os neutralistas de todas etnias e países determinaram para si através de consentimento comum; se as leis do meu país não me permitem oficialmente me afiliar à religião neutralista, eu poso ficar inscrito a essa religião na qual eu nasci, mas eu devo adicionar ao seu nome a palavra "neutralista", para mostrar quais são as minhas convicções pessoais.

5. Eu tenho consciência de que a religião nunca deve estar ligada com uma particularidade étnica ou com ideais egoistamente étnicos, e que um templo, dedicado a Deus, deve o quanto for possível conter em si nada que desse a ele algum tipo de característica étnica especial.

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Fontes dos textos:

1) http://www.xjjt.gov.cn/ftp_ygj/solis/biblioteko/movado/zamenhof/paroladoj/enhavo.htm
2) http://esperanto-rn.pro.br/_media/livros/paroladoj.pdf
3) http://www.kke.org.br/pt/discursos/discurso_de_zamenhof_boulogne_sur_mer_1905.php
4) http://fiszuk.sites.uol.com.br/borovko.htm
5) http://esperanto.iespana.es/borovko.htm
6) http://www.miresperanto.narod.ru/zamenhof/homaranismo-1913.htm
7) http://www.homaranismo.info/DeklaracioH.htm

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